Martínez Soler: “O exercício do jornalismo livre dá sentido à vida”

A Associação de Imprensa de Madrid (APM), com a qual o CPI mantem um acordo de parceria, atribuiu a José Antonio Martínez Soler, o “Prémio de Honra APM 2022”, em reconhecimento de uma vida de trabalho dedicada ao jornalismo.
Jornalista activo há 54 anos, o júri definiu-o como um "profissional incansável, destemido, empenhado e corajoso, não só no exercício do jornalismo, mas como empresário e fundador de diversas publicações", como 20 Minutos, El Sol, La Gaceta de los Negocios e Doblón, entre outras. Também foi director da Agência Nacional Efe, dos noticiários e de vários programas da televisão espanhola.
“Os inimigos da liberdade de imprensa estão sempre atentos”, adverte Martínez Soler, um dos principais nomes da história do jornalismo espanhol. “A luta do jornalista reside sempre no triunfo dos factos sobre a falsidade”, conclui na entrevista concedida à APM.
- O que significa para si ter sido reconhecido com o Prémio de Honra APM pela carreira profissional?
– Gosto muito que o prémio me seja atribuído pelos colegas, porque nesta profissão – eu incluído - temos inveja uns dos outros. Não podemos negar, gostamos todos de publicar na primeira página. Mas, também há muita generosidade, principalmente quando nos reformamos e temos menos inimigos. Acho que não sou o que mais merece este prémio - há outros muito brilhantes e no activo -, embora talvez eu seja o que menos inimigos teve no júri.
Na verdade, agora posso dizer que concluí a minha vida profissional com algum sucesso. Gostaria de agradecer aos meus colegas do júri por me considerarem merecedor deste premio.
– Por profissão, jornalista, mas também fundador de publicações …
– Fundador de publicações, mas também director, desde os próprios telejornais até ao espaço Buenos Días, que foi o primeiro telejornal matinal da TVE. A televisão ensinou-me a fazer um jornalismo mais preciso, concreto e breve.
- Também foi um pioneiro nos debates eleitorais. Que valor podem ter neste ano eleitoral que se inicia?
– Os debates têm vindo a perder valor. Mas, ainda os valorizo muito. O mais importante num debate eleitoral é a linguagem corporal. A televisão tem uma grande vantagem: a câmara não mente. O político pode estar a afirmar algo com as suas palavras, mas se franzir muito a testa, as pessoas sabem que ele está a mentir.
Também fiz as entrevistas com os candidatos às eleições gerais de 1986, 1993 e 1996. Nas últimas tive azar, porque entrevistei Felipe González e José María Aznar. Aznar venceu e a primeira coisa que fez foi demitir-me. Ganhei a acção contra a televisão do governo e uma indemnização interessante. Com o dinheiro da "Bolsa Aznar", consegui lançar o “20 Minutos”.
– “20 Minutos” foi talvez o seu “grande filho”?
– Foi o meu último trabalho, e para mim, claro, o mais importante. Demos leitura aos "sedentos", aos jovens, que ainda não conheciam a imprensa. Quando o lançamos, eles ainda não usavam muito a internet. O “20 Minutos”, foi especialmente importante, porque gerou novos leitores. Foi uma luta contra a ignorância, e, um dos grandes objectivos da minha vida tem sido lutar contra a injustiça e a ignorância.
No seu auge, o “20 Minutos” era o jornal líder em audiência em relação aos concorrentes e havia quatro jornais gratuitos entre os dez mais lidos.
Teve uma tiragem diária de um milhão e cem mil exemplares, mais do que o resto de toda a imprensa espanhola junta. Foi o jornal mais lido da história da Espanha. Aquele grande momento dos jornais gratuitos foi pouco antes do boom da internet, que também era gratuita.
No entanto, já defendi várias vezes que o meu jornal não era gratuito, quem leu o “20 Minutos”, deu-nos atenção. Recebemos essa atenção na forma de uma audiência e vendemo-la aos anunciantes. A atenção de um leitor vale mais que o euro de um jornal.
Todos os jornais, sejam eles pagos ou gratuitos, o que têm que procurar é a cumplicidade do leitor. O sucesso do “20 Minutos” também ocorreu porque os jornais pagos estavam em crise.
– Mas, em 2008, veio a crise económica e os jornais gratuitos e muitos outros meios de comunicação começaram a cair. Em termos gerais, o que é que os editores espanhóis fizeram de errado para se chegar a essa crise estrutural? O que deve ser evitado para impedir que uma crise sectorial dessas dimensões volte a acontecer?
- A imprensa tinha custos estruturais muito grandes. Os jornais pagos tinham equipas de 400 a 500 colaboradores, com impressoras próprias. Mas os editores e jornalistas aprenderam muito com essa crise. Acho que o jornalismo está entrar num bom momento, com o boom das fake news e das teorias da conspiração, a credibilidade de uma empresa de prestígio começa a ser valorizada.
O New York Times, não publica atoardas, mas anti-fraudes. Quem quer ter informação factual tem que pagar por isso. As vendas estão a ser substituídas pela assinatura. Nos grandes media internacionais, os assinantes já geram mais receita do que publicidade.
- Costuma dizer-se que a liberdade de imprensa nunca é plenamente alcançada, mas é um direito pelo qual devemos continuar a lutar todos os dias?
- Efectivamente. Os inimigos da liberdade de imprensa estão sempre atentos. Você tem que estar sempre atento. A liberdade não é garantida, é um direito duramente conquistado que corre o risco de nos ser tirado. A liberdade é como o oxigénio, só a valorizamos quando nos falta.
O jornalismo, é uma profissão muito honrosa, porque luta permanentemente pela liberdade de expressão. A luta do jornalista reside sempre no triunfo dos factos sobre as falsidades.
O segredo profissional do jornalista deve ser resguardado. O sigilo profissional é importante como garantia de que o jornalista pode trabalhar livremente e cativar os seus leitores.
– A Lei Europeia sobre Liberdade de Imprensa é anunciada como regra para proteger o pluralismo e a independência dos meios de comunicação na UE. Acha que é necessária a regulamentação da profissão jornalística para a salvaguardar?
– Regular a imprensa é perigoso. Eu tenho um sentimento duplo. Já se disse que a melhor lei de imprensa é aquela que não existe. A imprensa é bastante auto-regulada pelo consumidor. Se uma publicação é de má qualidade, o leitor inteligente abandona-a aos poucos.
O poder muitas vezes chega onde não devia, temos de estar sempre alerta. A lei do segredo oficial é muito perigosa, quer se estenda a questões que não são realmente de segurança nacional, quer se prolongue excessivamente os anos em que o segredo é imposto.
– Vai ser difícil resumir uma carreira tão ampla, mas daquilo que publicou o que é que destaca?
– Estou muito satisfeito com três notícias que publiquei como editor-chefe de Economia do El País. A primeira foi uma informação bastante abrangente sobre o óleo de colza. Fizemos um mapa com a rota dos camiões de óleo adulterado: de onde vinha, onde era distribuído e onde havia mortes. Dei a informação à Polícia para colaborar na busca dos culpados, desde que quando fossem detidos garantissem que seria o primeiro jornalista a ser informado para poder dar o exclusivo.
A segunda, foi explicar o que tinha acontecido na expropriação da Rumasa. E, a terceira, foi desvendar, juntamente com os colegas de Barcelona, a corrupção de Jordi Pujol através do Banca Catalana.
– E qual foi a notícia que não deu e gostava de ter dado ou dar?
– Sempre falamos de paz, e nunca há paz. Eu gostava que Putin caísse, e acabasse a guerra na Ucrânia. Trump e Bolsonaro já caíram, deixem Putin cair também.
– Por fim, que conselho deixa às novas gerações de jornalistas depois de mais de meio século a exercer jornalismo?
– Tenho gostado da profissão. Eu também sofri. Mas aprendi lições. Tenho muito orgulho de ter sido jornalista. Encorajo os jovens que têm vocação para serem bons jornalistas, a nunca desistir. Devem sempre ter a consciência tranquila, o que é a melhor forma de conseguirem dormir descansados. É uma profissão muito bonita. A segunda mais antiga do mundo, mas a mais bonita de todas. Além disso, é muito útil. É o que está a fazer neste momento. O exercício do jornalismo livre dá sentido à vida. O que dá sentido à vida é a liberdade e, caso a minha mulher leia esta entrevista, o amor.
Pode ler a entrevista completa em https://www.apmadrid.es/jose-a-martinez-soler-el-periodismo-es-una-profesion-muy-honrosa-porque-esta-permanentemente-luchando-por-la-libertad-de-expresion/
Foto obtida no site da APM