A correspondente do Le Monde, Sophie Douce, e Agnès Faivre, correspondente do Libération foram expulsas pelas autoridades de Burkina Faso.

As jornalistas receberam ordens para deixar Uagadugu, sem serem notificadas de qualquer motivo oficial para a sua expulsão.

Douce soube por agentes da Direcção de Segurança do Estado do Burkina Faso, que tinha um dia para deixar o país. Os agentes apresentaram-se, à paisana, em casa dela, na manhã do dia 1 de abril, refere o Le Monde.

"Está verbalmente notificada de que as suas credenciais (que lhe permitem trabalhar como jornalista num país) e o seu cartão de membro da imprensa, foram cancelados. Tem 24 horas para deixar Burkina Faso", disse um dos agentes. Nenhum documento oficial que significasse esta expulsão foi dado a Douce, ou à administração do Le Monde, e nenhuma razão foi dada pelas autoridades de Burkina Faso. "É uma notificação verbal. Vem das autoridades", disse um dos dois agentes. Na noite anterior, Faivre havia recebido a mesma visita e a mesma ordem.

As duas jornalistas tinham sido convocadas, no dia anterior, para se deslocarem à Direção de Segurança do Estado, os serviços de inteligência de Burkina Faso.

Entrevistadas separadamente, Douce e Faivre, foram questionadas acerca das suas viagens, do seu trabalho em Burkina Faso e sobre um artigo publicado pelo Libération, a 27 de março, que revelou abusos cometidos pelo exército, onde mostrava um soldado burquino a matar crianças num acampamento militar. A publicação desta investigação pelo Libération parece ter sido o que convenceu as autoridades de Burkina Faso a expulsar as duas correspondentes, ambas na posse de vistos e credenciais válidos, diz o Le Monde.

Recorde-se que, a liberdade de imprensa em Burkina Faso tem sido constantemente limitada desde o golpe de Estado do capitão Ibrahim Traoré, a 30 de setembro de 2002. Em dezembro, a Rádio France Internationale (RFI) foi suspensa das transmissões no país. A 27 de março, a France 24, estação de televisão do mesmo Grupo de media, France Médias Monde, também foi suspensa após ser repreendida por entrevistar Abu Obeida Youssef Al-Annabi, líder da Al-Qaeda no Magreb Islâmico (AQIM), um dos grupos jihadistas armados que operam em Burkina Faso.

"Ao abrir as suas ondas de rádio ao chefe da AQMI, a France 24 não está apenas a actuar como uma agência de comunicação para esses terroristas, mas também está a fornecer um espaço para legitimar acções terroristas e um discurso de ódio para promover os objectivos malignos desta organização em Burkina Faso, " disse o porta-voz do governo Jean Emmanuel Ouédraogo. Essas acusações, assim como as sanções impostas pelo governo de Burkina Faso, provocaram indignação entre as organizações defensoras da liberdade de imprensa.

Assim como o presidente do vizinho Mali, o coronel Assimi Goïta, que também chegou ao poder por meio de um golpe, em maio de 2021, Traoré pressiona, cada vez mais, os media e as vozes críticas, especialmente aquelas que visam as acções dos militares.

A imprensa, tanto local como internacional, tem sido convocada, em diversas ocasiões, pelo Ministério da Comunicação e Cultura, para ser repreendida pela cobertura que faz da luta contra os grupos jihadistas. Os jornalistas têm sido advertidos contra a divulgação de mensagens do "inimigo" ou informações que possam "desanimar" a população.

Com o país a enfrentar ataques implacáveis de grupos armados e violência que deixou mais de dez mil mortos em sete anos, Traoré fez da restauração da segurança, a sua principal missão. Recentemente, o presidente transitório voltou a ameaçar: "Todos aqueles que pensam que estão escondidos, dentro ou fora, que continuam a informar, a comunicar para o inimigo, vão pagar".

Em comunicado, Jérôme Fenoglio, o director editorial do Le Monde declara: “ o Le Monde condena veementemente esta decisão arbitrária que obrigou as duas jornalistas a deixarem Uagadugu, em menos de 24 horas. Douce trabalha para o Le Monde como jornalista independente, livre de qualquer influência.

Ao contrário das acusações de "espionagem", entre outras mentiras espalhadas contra ela, a nossa correspondente tem vindo a descrever a situação em Burkina Faso há vários anos, através de investigações imparciais que permitem que todos os lados falem. A meticulosidade do seu trabalho, recentemente premiado com o Prémio Varenne, tornou-se claramente intolerável para o regime de Ibrahim Traoré, presidente interino, nos últimos seis meses.

Após a suspensão da rádio RFI e, mais recentemente, da televisão France 24, estas duas novas expulsões marcam um grande revés para a liberdade de informação sobre a situação em Burkina Faso. O Le Monde apela às autoridades locais para que revoguem estas decisões o mais rapidamente possível e restabeleçam, sem demora, as condições de informação independente no país.”