O jornalismo pode credibilizar-se ao contrariar a desinformação

Num contexto em que a Internet está cada vez mais inundada por conteúdos gerados por inteligência artificial, um novo estudo sugere que esta proliferação de desinformação pode, paradoxalmente, beneficiar os sites de notícias considerados fiáveis. O trabalho, desenvolvido pelo economista Filipe Campante, professor na Universidade Johns Hopkins, em colaboração com Ruben Durante, Ananya Sen e Felix Hagemeister, procurou investigar se a dificuldade crescente em distinguir o verdadeiro do falso poderia aumentar o valor do jornalismo profissional.
Segundo Campante, a ideia surgiu quando lia uma reportagem sobre deep fakes na véspera das eleições do ano passado. "O meu cérebro de economista disse: se algo – digamos, a confiabilidade – se torna realmente escasso, então torna-se muito valioso", afirmou. A hipótese era simples: se os leitores se aperceberem da dificuldade de identificar o que é real, estariam mais dispostos a pagar por fontes em que confiem.
O estudo teve como base uma experiência de campo realizada com leitores do jornal alemão Süddeutsche Zeitung (SZ), um dos mais influentes do país e tradicionalmente alinhado ao centro-esquerda. O jornal conta com uma vasta base de assinantes e leitores fiéis, muitos dos quais participam regularmente em inquéritos e estudos promovidos pela publicação.
Na experiência, cerca de 1% dos visitantes do site do jornal receberam um pop-up com um questionário que lhes pedia que identificassem imagens geradas por IA. Os assinantes, por sua vez, foram convidados a participar através de um email. Os participantes tiveram de avaliar três pares de imagens e decidir quais eram reais e quais tinham sido geradas artificialmente. Apenas 2% conseguiram acertar nas três imagens, enquanto 36% falharam todas.
Apesar de o questionário ter diminuído a confiança geral dos participantes nas notícias online, incluindo nas do próprio Süddeutsche Zeitung, os dados demonstraram um aumento do envolvimento com o jornal: as visitas diárias ao site cresceram 2,5% logo após o inquérito, e os participantes tornaram-se menos propensos a cancelar a assinatura. A taxa de cancelamento caiu um terço. Entre os que consideraram o questionário particularmente difícil, o efeito foi ainda mais notório, com um aumento superior a 4% nas visitas diárias nos dias seguintes.
O efeito foi mais significativo entre os leitores que demonstraram ter menos conhecimentos sobre inteligência artificial, medido a partir dos seus hábitos de leitura no site nas semanas anteriores. Ainda que os participantes relatassem uma diminuição na confiança geral nas plataformas digitais, continuaram a atribuir uma elevada pontuação ao SZ, o que reforça a ideia de que a credibilidade se torna mais valiosa à medida que se torna mais rara.
Filipe Campante interpreta estes resultados como um limite ao colapso da confiança nas notícias. "As fontes em que eles confiam – desde que acreditem que essas fontes podem ajudá-los a mitigar os desafios informacionais mais amplos – podem ser capazes de se beneficiar", afirmou.
Campante sugere que os media devem assumir um papel activo no combate à desinformação, indo além da mera produção de conteúdo. Mencionou investigações visuais do New York Times e outras iniciativas que ajudam os leitores a verificar a autenticidade de vídeos e imagens de zonas de conflito, como Gaza ou a Ucrânia. Destacou ainda uma campanha publicitária do próprio SZ com o lema: “A verdade não pode ser gerada. Apenas pesquisada”.
Para o economista, é insuficiente que os jornais usem IA apenas para automatizar resumos ou melhorar a produtividade. “Não se pode simplesmente descansar na credibilidade pré-existente. É preciso mostrar aos leitores que se pode ajudá-los à medida que o desafio se torna maior. É preciso mostrar que, à medida que os vídeos se tornam mais falsificáveis e difíceis de distinguir, se pode ajudar os leitores a distinguir entre vídeos ou áudios reais e falsos, ou o que quer que seja”, afirmou. Em última instância, conclui: “O jornalismo ainda é valioso. É ainda mais valioso agora do que era antes.”
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