Maria João Pires em processo de “mudança radical” recebeu o Prémio Europeu Helena Vaz da Silva
Aos 81 anos, a pianista Maria João Pires recebeu o Prémio Europeu Helena Vaz da Silva, numa cerimónia na Fundação Calouste Gulbenkian, uma distinção que homenageia a sua contribuição para a música e para os valores culturais europeus. No discurso de agradecimento, anunciou o fim da carreira de intérprete e revelou estar num processo de “mudança radical”.
A pianista reflectiu sobre a “libertação da criatividade”, a gratidão — “inata, não adquirida. Que devia ser guardada e respeitada ao longo de toda uma vida”, os direitos humanos, “que não deveriam nunca ser motivo de dúvida ou hesitação” e recordou o início da sua relação com a música, ainda em criança.
“Comecei a tocar piano com três anos... Apaixonei-me pela música nessa idade e desenvolvi um interesse sem limites pelo som — por todas as suas nuances, pelas suas cores, por tudo o que, de algum modo, se relacionasse com ele”. Contudo, recordou que nunca se sentiu “verdadeiramente adaptada, nem incluída, apesar de todos os esforços - enormes - para ser aceite. Esses esforços foram produtivos até certo ponto: aprendi a lutar, a distinguir, a reconhecer a injustiça no mundo.”

A pianista sublinhou que o seu percurso foi movido por uma busca de compreensão e pertença, tanto através da música como do estudo da ciência e da literatura.
Ao receber o Prémio Europeu Helena Vaz da Silva, Maria João Pires começou por expressar a sua “profunda gratidão” à mulher que dá nome à distinção, “pela sua vida, pela sua coragem, pela sua visão, e por tudo o que nos deixou como herança moral e espiritual”. A pianista afirmou que recebe o prémio “como um gesto de reconhecimento que ultrapassa a pessoa e pertence ao caminho, a todos os que nele caminharam comigo”.
Após agradecer aos envolvidos na cerimónia de entrega do prémio, Maria João Pires dedicou o seu tempo a agradecer também a quem a admira: “Agradeço aos que me ouviram, aos que me inspiraram, aos que me deram tempo, paciência e amor. Recebo este prémio com esperança — a esperança de que a arte continue a aproximar-nos uns dos outros, a lembrar-nos da nossa fragilidade e da nossa força, e a ensinar-nos que criar é também cuidar”.
O começo de um novo capítulo
Após décadas de uma carreira internacionalmente aclamada, Maria João Pires aproveitou a ocasião para anunciar o seu “adeus” aos palcos depois de, em Junho deste ano, ter sofrido um problema de saúde que a afastou do piano: “Terminei a minha carreira de pianista há quatro meses. Adoeci e estou, julgo, no processo de cura. Adoeci porque tentei ultrapassar-me, tentei ir até limites proibidos”.
Agora, considera estar “num processo de mudança radical, numa procura de verdades, num caminho de aceitação. É bom pensar que o futuro é incerto, desconhecido, talvez surpreendente”.
Uma carreira além-fronteiras
Nascida em Lisboa em 1944, Maria João Pires começou a tocar piano em criança e fez a sua primeira apresentação pública aos quatro anos. Vencedora do Concurso Internacional Beethoven, em 1970, rapidamente conquistou projecção internacional, actuando nas principais salas de concerto do mundo e gravando para editoras de música clássica como Denon, Erato e Deutsche Grammophon.
Em 1999, fundou o Centro Belgais para o Estudo das Artes, em Castelo Branco, um projecto educativo e cultural dedicado à formação artística. Posteriormente, criou na Bélgica os Partitura Workshops e os Partitura Choirs, voltados para jovens e crianças de contextos desfavorecidos.

De acordo com o júri, presidido por Maria Calado, presidente do CNC, “Maria João Pires é uma das pianistas mais poéticas e influentes da Europa. Além de ser uma extraordinária intérprete, é uma educadora visionária, uma pensadora cultural e uma revolucionária silenciosa no domínio do património musical”.
Também a ministra da Cultura, Juventude e Desporto, Margarida Balseiro, considerou que “ao longo de décadas de carreira, Maria João Pires construiu um percurso artístico notável e singular. Pianista de reconhecimento mundial, é também uma das intérpretes que melhor compreendeu a música como linguagem universal – uma linguagem que liga povos, gerações e sensibilidades”.
O júri, presidido por Maria Calado, contou ainda com a participação de Francisco Pinto Balsemão, fundador do grupo Impresa; Piet Jaspaert, vice-presidente da Europa Nostra; João David Nunes, em representação do Clube Português de Imprensa; Guilherme d’Oliveira Martins, administrador da Fundação Calouste Gulbenkian; Irina Subotic, presidente da Europa Nostra Sérvia; e Marianne Ytterdal, do Conselho da Europa Nostra.
O Prémio Europeu Helena Vaz da Silva foi criado em 2013 pelo Centro Nacional de Cultura (CNC), em parceria com a Europa Nostra e o Clube Português de Imprensa, e com apoio dos ministérios da Cultura, Juventude e Desporto, e dos Negócios Estrangeiros, da Fundação Calouste Gulbenkian e do Turismo de Portugal. O prémio distingue personalidades que se destacam na promoção do património cultural europeu.
Antes da homenagem e da entrega do prémio a Maria João Pires, foi projectado um documentário alusivo aos 80 anos da fundação do Centro Nacional de Cultura (CNC). Trata-se de um trabalho que reflecte as várias etapas da vida e das vicissitudes por que passou o CNC, como importante polo de dinamização cultural. Foi um trabalho que envolveu uma vasta equipa, coordenado por João David Nunes, da direcção do Centro.
(Créditos da imagem: Diana Tinoco)