O Oráculo dos Índios
Esta história deliciosa, que ilustra o risco do pensamento circular ao fazermos previsões, contou-a Emílio Rui Vilar no passado dia 23 de fevereiro, no Grémio Literário em Lisboa, a abrir a sua palestra sobre o tema "Que Portugal queremos ser, que Portugal vamos ter". Rui Vilar falou na primeira pessoa para, com base nas suas recordações pessoais, ilustrar a trajetória do Portugal desde o pós guerra até aos nossos dias. A partir de abril de 74, a Europa esteve no centro da nossa caminhada. Deu-nos uma nova esperança, uma nova moeda, reacendeu a chama da nossa criatividade - aludiu à década maravilhosa que abriu com a Europália, passou pelas capitais da cultura em Lisboa e Porto, pela feira de Frankfurt e pela Expo 98 –, em suma, permitiu o reencontro connosco próprios. Portugal abriu-se ao mundo - reconciliou-se com a Espanha e com os países da Comunidade de Língua Portuguesa -, cresceu economicamente, modernizou-se e aproximou-se da Europa.
Contudo, nem tudo foram rosas. A Europa mudou muito. A reunificação da Alemanha, o alargamento a leste e a nova arquitetura da União- ironicamente saída da cimeira de Lisboa, e de uma presidência portuguesa - remeteu-nos, outra vez, à nossa insignificância. A culminar tudo isso, a crise do subprime, as hesitações iniciais entre medidas expansivas e restritivas e, finalmente, a adopção da doutrina alemã a penalizar a dívida que nos trouxe a austeridade. Mas, até na adversidade, Portugal revelou dignidade: exportou mais produtos e tecnologia, formou quadros, melhorou a agricultura. Quando acabou o protetorado do resgate estávamos com mais dívida, com mais desemprego e tinham vindo ao de cima as más práticas de algumas empresas, aqui numa clara alusão ao BES e à PT. Ficou-nos a certeza de que Portugal, sozinho, nunca conseguirá superar o bloqueio da dívida.
A Europa e o Mundo enfrentam hoje o dilema do abrandamento - ou até do desaparecimento - do crescimento. Este dilema esvazia a retórica dos partidos do centro, socialistas e sociais democratas, antes centrada na redistribuição dos excedentes da riqueza criada e agora sem possibilidades de o fazer. E inviabilizou a via proposta pelas ideias neoliberais - de Reagan e de Thatcher - assentes no sucesso individual. Por isso, os partidos socialistas migram para os extremos (para a direita em França, para a esquerda na GB) ou esvaziam-se, como foi o caso do Pasok na Grécia.
O quadro político português – “um caso único”, sublinhou, saído das ultimas eleições - vai enfrentar o dilema da coexistência da politica social com as exigências inflexíveis da Europa dos mercados. A agravar tudo isto, existem na União outros problemas que são hoje prioritários: o crescente fluxo dos migrantes, a contenção da Rússia, a ameaça do abandono da Grã Bretanha. Tudo se resume a uma grande questão: até que ponto será possível conciliar as preocupações do PCP e do BE com os imperativos dos mercados? Neste quadro o PS, um partido em stress, dificilmente poderá desempenhar o papel de árbitro, pois precisa de tempo para manter as negociações.
Rui Vilar terminou a sua intervenção defendendo a solução federativa como a única saída lógica para a Europa e para Portugal. Ora isto implica a criação de um orçamento europeu, mecanismos de mutualização da dívida, com um banco central com poderes semelhantes aos da FED ou do Banco de Inglaterra, e que não se limite a estar preocupado com a inflação. Deixou uma mensagem: aproxima-se um tempo de grande exigência no qual precisamos acreditar em que será possível superar as dificuldades. É um imperativo ético conseguir fazê-lo, perante nós próprios e perante as gerações futuras. Terminou, aconselhando prudência e rigor: "No fundo, é começarmos a guardar mais lenha para os invernos que estão para vir."
Entretanto, imagino eu, os grandes chefes de Bruxelas andarão baralhados com as previsões de severidade dos próximos tempos. É que os índios da Praia Ocidental, não só não estão a guardar mais lenha para os invernos que estão para vir, como estão a gastar a pouca que lhes sobrou do rigoroso inverno passado.