Rei de Espanha defende rigor e independência do jornalismo
O Rei espanhol, Felipe VI, deslocou-se às sedes do jornal ABC e do Grupo Vocento, para entregar os mais prestigiados e tradicionais prémios do jornalismo em Espanha. Num mundo onde "os formatos jornalísticos mudam quase diariamente" e onde "o ritmo do desenvolvimento tecnológico é frenético, não se adaptar pode implicar um retrocesso", afirmou.
Felipe VI defendeu que “o que não deve mudar é a divulgação da realidade, a sua contextualização, e a forma de apresentar a actualidade - a notícia - segundo critérios de rigor, veracidade e interesse público”. Nesta complexa tarefa, o papel do jornalismo “continua a ser essencial no seu contributo para uma sociedade livre”, considerou.
O Rei advertiu que "sem jornalismo independente não há liberdade de opinião" e "ainda que os tempos mudem os métodos da sua transmissão, a essência do bom jornalismo, a sua capacidade de actuar como um filtro de qualidade em benefício da sociedade, será sempre o mesmo". Por isso, D. Felipe VI lembrou que “é fundamental salvaguardar esse jornalismo corajoso com capacidade de atrair, fiscalizar, denunciar, descrever... Narrar o que acontece, enfim, e fazê-lo com um compromisso ético e deontológico inalienável”.
Na 103ª edição destes prémios, Felipe VI e Letizia celebraram "os 120 anos do ABC ao serviço dos seus leitores" e desejaram à publicação "mais 120 anos, pelo menos, de trabalho bem-sucedido, dedicado ao bom jornalismo e à cultura" e “que sejam, também, anos de brilho, progresso, bem-estar e concórdia para todos os espanhóis”.
O Rei reconheceu que “não são tempos fáceis”, porque “as flutuações económicas geram sempre incertezas” e os desafios “apresentam dificuldades que não são fáceis de gerir”.
“Orientar os modelos de negócio para as exigências dos mercados, e inovações tecnológicas, é uma tarefa permanente e um desafio com o qual não devemos perder ou diluir a função essencial do jornalismo”, afirmou.
Este cenário complica-se ainda mais quando "a forma de ler, hoje, mudou consideravelmente" e são os avanços tecnológicos "que inexoravelmente impõem as suas regras", quando "até se tornou familiar conviver diariamente com a inteligência artificial" como a nova e revolucionária ferramenta de grande impacto nas nossas vidas”.
No final, o Rei voltou à mesa presidencial, onde juntamente com a Rainha Letizia, esteve acompanhado pelo presidente do Grupo Vocento, Ignacio Ybarra, e pelo director do ABC, Julián Quirós, entre outras personalidades. Foi a décima quarta vez que Dom Felipe entregou os prémios Cavia - "sinal do melhor jornalismo" -, numa cerimónia que contou com a presença de 150 convidados.
Manuel Jabois, vencedor do prémio Cavia, pelo artigo “A minha vida sem WhatsApp” - publicado no suplemento “Ideias” do El País - afirmou que no jornalismo "não se avança sem a linha de frente".
Jabois relembrou todos os seus colegas de redacção e afirmou: «vivo num país onde se pratica um jornalismo que pode ser melhorado, mas um jornalismo decente que, se quiser sobreviver, deve dar condições dignas aos jovens e aos menos jovens que são escravizados em muitas redacções, com contratos precários, porque os têm convencido de que isto é um hobbie, quando uma vocação nunca é um hobbie", argumentou. E acrescentou: “um país em que se quisermos que alguém nos diga e ordene o mundo por nós, não podemos dar-lhes a vontade, porque então o mundo nos dirá e ordenará que pessoas bem pagas não são devidas ao jornalismo, mas aos seus interesses. E isso já está a começar a acontecer.”
O vencedor do prémio Luca de Tena e jornalista do ABC, Pedro García Cuartango – que vai completar “meio século nesta profissão” – disse que se “nascesse de novo seria jornalista”. “O jornalismo tem muito a ver com a procura da verdade, embora a verdade seja sempre multifacetada. E essa ânsia, geralmente, incomoda o poder. Como já foi dito tantas vezes, o jornalismo consiste em contar algo que alguns não querem que seja dito. Por isso, o papel do jornalista é incomodar e fiscalizar os abusos dos poderosos. Não é possível fazer jornalismo ao serviço de quem manda e não é possível colocar a ideologia à frente dos factos”, destacou.
Antes de dar início ao jantar, o presidente da Vocento, Ignacio Ybarra, afirmou que “os vencedores deste ano são os melhores expoentes do jornalismo actual”.
«O seu trabalho também nos ajuda a reivindicar aqui hoje, mais uma vez, o bom jornalismo. Jornalismo de verdade, o independente, o democrático, o necessário. Aquele jornalismo que não é feito com máquinas de inteligência artificial, nem com aplicativos ou bots de batalha, que não é do tipo que é tornado viral por motores de busca que vivem de cliques e que não querem, nem sabem, distinguir entre informação e o pior clickbait”, afirmou. E acrescentou: «Perdoem-me a clareza, mas estamos preocupados. O que está em jogo não é a sobrevivência dos grupos de comunicação, mas a saúde da nossa democracia”.