Quando se investiga uma “vacina” para combater a desinformação
Num estudo publicado recentemente, dois cientistas europeus exploram a hipótese de que a disseminação de notícias falsas siga os mesmos padrões de contaminação dos vírus nos seres humanos.
Carlos Castilho, jornalista e académico na área de comunicação comunitária, explica a analogia e reflecte sobre o papel dos jornalistas e editores no combate à divulgação de informação falsa, num artigo publicado no Observatório da Imprensa, com o qual o Clube Português de Imprensa mantém uma relação de parceria.
O autor começa por lembrar o papel das manchetes na “era da avalanche informativa”, com a maioria das pessoas a limitar-se a ler os títulos e a ver as fotografias que circulam online, por “escassez de tempo” para absorver toda a informação.
“As pessoas não têm mais tempo para destrinchar cada notícia, para separar verdades, meias-verdades e mentiras. Aquilo que for repetido mais vezes acaba por levar as pessoas a assumirem como real, válido e importante”, mesmo que seja falso, lembra Carlos Castilho.
Numa investigação que utiliza modelos matemáticos da epidemiologia, dois cientistas perceberam que existe “uma forte analogia entre a disseminação de desinformação e a disseminação de vírus [de doenças físicas]”, lê-se no texto de divulgação do estudo.
Segundo os resultados, metade das pessoas comuns não sabe distinguir entre informações de confiança e notícias falsas, pelo que têm 50% de probabilidade de ser “contaminadas” pelo “vírus” da desinformação.
Quanto à forma como as pessoas agem perante a desinformação, os autores sistematizam três tipos de comportamento: a) as pessoas que sabem que estão a espalhar notícias falsas; 2) as pessoas que recebem informação falsa e que a partilham, mesmo suspeitando que se trata de desinformação; e 3) as pessoas que partilham notícias falsas sem perceberem a natureza dos conteúdos.
Os investigadores “orientam-se agora para a busca de antídotos ou agentes inoculadores, tipo vacina”, explica Carlos Castilho.
No entanto, o jornalista dá conta de que os “investigadores dão pouco destaque ao papel do jornalismo como elemento-chave no combate à desinformação”, apesar de os repórteres e editores serem aqueles que “têm as condições ideais para promover a ‘inoculação’ dos leitores contra o ‘vírus’ da desinformação”.
“Os editores de textos noticiosos estão numa posição única para identificar quando associações de ideias e de palavras inseridas numa frase, como uma manchete, induzem a visões distorcidas ou inteiramente falsas da realidade. Cabe ao jornalismo a responsabilidade básica de explicitar o contexto em que uma informação sob suspeita está inserida”, defende Carlos Castilho, lembrando que “a simples verificação da veracidade não é suficiente para ‘imunizar’ o público contra as fake news”.
Nesse sentido, e voltando ao papel central das manchetes na actualidade, o autor reforça que a responsabilidade dos editores na escolha dos títulos é acrescida, não podendo estes profissionais cair no erro de criar desinformação ou de disseminar informação falsa ou alimentar incertezas, como por vezes tem acontecido.
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