Os directos no digital como forma inovadora de agilizar o jornalismo

Uma das funções do jornalismos é ser “tão ágil quanto certeiro a contar o que está a acontecer e fazê-lo de forma ordenada e contextualizada”. Até aqui nada de novo. “A novidade é que agora tudo é feito muito mais rápido”.
É assim que Pilar Álvarez, editora de Última Hora no El País, prepara o terreno para reflectir sobre o papel dos directos no digital e as suas consequências na era das redes sociais, num artigo publicado nos Cuadernos de Periodistas, da Asociación de la Prensa de Madrid, com a qual o Clube Português de Imprensa mantém uma relação de parceria.
No seu texto, a jornalista dá exemplos de casos em que os directos são usados, com estatísticas sobre o efeito nas audiências; descreve o processo de preparação das redacções para este tipo de cobertura; e questiona-se sobre o papel dos directos no conjunto dos restantes formatos.
Afinal, o que é um directo?
No contexto digital, o directo “é um formato que inclui um encadeamento cronológico de mensagens, encabeçado por uma entrada que hierarquiza o que está a acontecer, com títulos, subtítulos e outros elementos destacados, tais como momentos-chave ou notícias explicativas (explainers)”, começa por definir Pilar Álvarez.
Para a jornalista, um exemplo paradigmático de um directo nos sites noticiosos foi a cobertura do ataque do Irão a Israel na noite de 13 para 14 de Abril deste ano. [À data da publicação do artigo dos Cuadernos de Periodistas, ainda não tinha ocorrido o ataque do Irão a Israel do dia 1 de Outubro.]
“A informação que abriu as páginas digitais nas horas seguintes em muitos meios noticiosos pelo mundo era um directo”, diz a autora.
No caso do El País, foram publicadas dezenas de mensagens sobre o ataque. Esta foi a informação mais lida daquele fim de semana.
“O primeiro dia [de directo] teve quase o dobro da audiência da crónica principal. O segundo quadruplicou. A informação teve também bastante destaque nas métricas qualitativas internas, que medem o tempo de leitura e os artigos mais lidos pelos subscritores”, descreve a responsável pela editoria de Última Hora.
A forma de contar este ataque ilustra “a mudança que estamos a viver nas redacções na nossa maneira de trabalhar”.
Live blogs e outros formatos: desde quando se usam e porquê?
O desenvolvimento dos directos no digital, também frequentemente chamados “ao minuto”, nasceu “no calor das redes sociais” e permite responder às necessidades dos leitores “quase em tempo real”, ao mesmo tempo que significa uma reorganização do trabalho dos editores e jornalistas, na sua recolha de textos, fotografias e vídeos.
Num estudo publicado em 2014 sobre o futuro das notícias de última hora no online, Neil Thurman e Nic Newman lembram que, já em 2011, jornais como o The Guardian e o New York Times recorreram a mensagens das redes sociais para alimentar a sua cobertura do terramoto seguido de tsunami no Japão. Dois anos depois, a BBC estava a utilizar tweets dos leitores para peças de informação local.
Para os investigadores, a expansão desta abordagem às notícias deve-se “em parte a uma reacção às redes sociais, que introduziram a ideia de ‘pequenos aperitivos de conteúdo’”, explica Pilar Álvarez.
Actualmente, os directos nos jornais digitais estão no seu momento de “esplendor”, assinala a jornalista.
“A grande mudança cultural está a viver-se agora, numa altura em que esta forma de abordar o que se passa no mundo ocupa muitas vezes as primeiras páginas [no digital]”, acrescenta.
Para Nic Newman, o surpreendente é o nível de “engagement” que este formato gera — sendo que por “engagement” se entende o regresso dos leitores ao meio em que estão a acompanhar as notícias, esclarece Pilar Álvarez.
O investigador do Reuters Institute explica à jornalista que esta é uma “boa fórmula para atrair o público”, acrescentando que estas coberturas “se têm tornado mais complexas e ricas ao longo dos anos, tanto do ponto de vista do uso de multimédia como da interactividade”.
As redacções e os directos
Em 2021, o New York Times explicava que, “num dia típico”, o jornal alimentava “quatro directos — sobre o coronavírus, política, negócios e acontecimentos climáticos extremos”, assumindo que havia dias em que chegavam aos oito.
Actualmente, o El País, segundo Pilar Álvarez, tem cerca de dois directos por dia, um sobre a actualidade política e outro sobre a situação no Médio Oriente, embora não seja incomum que, num mesmo dia, se chegue aos quatro ou cinco directos.
Se os grandes acontecimentos são “bons candidatos para este formato”, entretanto generalizou-se o registo e já se recorre a esta abordagem para assuntos como “um eclipse solar” ou a “gala das estrelas Michelín”, explica a jornalista.
“Trata-se de transmitir aos leitores que o jornal é o melhor lugar para entender o que se está a passar quase enquanto [o acontecimento] está a decorrer”, acrescenta.
Para isso, é preciso que as equipas estejam preparadas.
Em 2013, o The Guardian estimava que um directo que durasse cerca de seis horas exigia o trabalho de 2,5 jornalistas (um deles no terreno). Hoje em dia, “essa estimativa é curta”, adianta Pilar Álvarez. A secção de Última Hora do El País, que gere os directos, conta com sete pessoas.
No entanto, a organização destas coberturas é feita em colaboração com as restantes editorias implicadas nos temas em causa. Além disso, nos grandes acontecimentos estão sempre envolvidos editores, fotógrafos, especialistas, jornalistas de vídeo, última hora, redes sociais, etc. “Todas essas pessoas estão em comunicação constante”.
O papel dos directos, agora e no futuro
Se, por um lado, os directos podem ser fascinantes para alguns leitores, como demonstram algumas estatísticas, por outro, podem agravar o afastamento daqueles que já evitam as notícias.
Tendencialmente, essas pessoas consideram que receber informações de última hora é uma “parte menos importante daquilo que um meio digital lhes pode oferecer”, explica Nic Newman, citado por Pilar Álvarez. Esses leitores, preferem, por exemplo, que lhes seja dado mais “contexto” sobre os acontecimentos.
Em jeito de conclusão, a jornalista do El País lembra que os directos “são uma forma jornalística de abordar a actualidade com requisitos diferentes dos que são necessários para uma crónica, reportagem, análise ou entrevista”.
“Não creio que [o directo] substitua nenhum género, mas sim que se instalou para conviver com todos”, remata.
(Créditos da fotografia: John Schnobrich no Unsplash)