A “imersão” dos jornalistas nas comunidades sobre as quais escrevem é uma necessidade premente para o jornalismo do futuro, defende Carlos Castilho num artigo publicado no Observatório da Imprensa, com o qual o CPI tem um acordo de parceria.

Castilho considera que os jornalistas precisam de mudar a forma como se relacionam com o público. O autor expande as suas ideias em torno de três pontos: o desfasamento no conhecimento que jornalistas e comunidades têm uns dos outros; as mudanças na dinâmica do processo noticioso; e as implicações dos dois primeiros aspectos para a sustentabilidade do jornalismo.

Uma das primeiras preocupações expressas por Castilho é a falta de reciprocidade entre o esforço que é pedido às comunidades para que estas se aproximem dos jornalistas e do sector, e a aproximação real dos próprios profissionais às pessoas, principalmente aquelas que vivem em contextos muito diferentes dos seus.

“Há dezenas de iniciativas preocupadas em aproximar as pessoas comuns do universo jornalístico, especialmente nos Estados Unidos e Europa. Mas há pouquíssimas pesquisas, com registos numéricos e factuais, sobre a imersão do jornalismo nas comunidades”, fundamenta o jornalista.

Na realidade brasileira, por exemplo, Castilho diz que “há um sentimento geral em favelas e bairros da classe média baixa de que os profissionais da imprensa têm um status superior ao das pessoas comuns”. Sentimento este que é potencialmente reforçado pelo hábito que os profissionais têm de expor os “seus valores sociais, políticos e culturais”.

Os jornalistas terão, muitas vezes, uma visão distorcida destas percepções, pois, quando se procura saber a opinião do público sobre os jornalistas, as perguntas reflectem “principalmente o que os profissionais querem saber em vez de priorizar o que as pessoas sentem e sabem” ou de procurarem descobrir “o que elas comentam entre si”.

Ora, “o nível ideal de relacionamento seria uma parceria paritária, ou seja, ambos os lados acumulariam um conhecimento, o maior possível, da realidade um do outro”, propõe Castilho, apoiando-se nos resultados de vários projectos sobre o tema.

Para isso, seria necessária “uma convivência direta do jornalista com a comunidade, minimizando o máximo possível a cultura das redações”, explica o autor do artigo. “É o que muitos pesquisadores chamam de imersão jornalística na comunidade”, acrescenta, fazendo a ponte com metodologias específicas das ciências sociais em que as ideias acerca de uma realidade são construídas com base na experiência prática, em vez de partirem de teorias já formuladas.

O que nos traz à segunda preocupação.

As novas dinâmicas relacionais e o fluxo noticioso

Para Castilho, o estabelecimento de um novo paradigma, de “dependência mútua”, na relação jornalistas-público leva a uma nova forma de lidar com a notícia. Ao mesmo tempo que o “principal fluxo de notícias (dados, factos e eventos relevantes, inéditos e pertinentes) tende a ter origem nas pessoas”, os jornalistas passam a ter um papel de verificação da verdade e de “contextualização ampliada” das histórias.

Como actualmente proliferam os artigos publicados nas redes sociais, as notícias surgem muitas vezes da partilha “de percepções e opiniões entre as pessoas”. Neste contexto, os jornalistas assumem cada vez mais o papel de “curadores, consultores e tutores”, explica Castilho.

O autor acredita que a falta de conhecimento sobre a forma como o público está a viver estas mudanças no fluxo noticioso “significa que os jornalistas necessitarão ter mais sensibilidade social do que técnicas de produção de textos ou imagens”.

Papel das mudanças relacionais na sustentabilidade

Castilho dá mais um passo na reflexão: “A relação, em pé de igualdade, entre os membros de uma comunidade e jornalistas vai acarretar responsabilidades para ambas as partes.” Os jornalistas comprometem-se a “preservar a qualidade e eficácia dos fluxos noticiosos dentro da comunidade” e as pessoas terão de assumir “a responsabilidade de garantir a sustentabilidade financeira dos meios, humanos e materiais, necessários para garantir a disseminação e compartilhamento de informações”, acredita o autor.

Efectivamente, os resultados de investigações profissionais e académicas parecem apontar no sentido de que a sustentabilidade do jornalismo “vai depender de contribuições em dinheiro, seja na forma de taxas ou impostos, seja através de pagamentos diretos como assinaturas, paywall (pagamento por acesso) e permutas (por bens ou serviços)”, argumenta o jornalista.

Em suma, “o estabelecimento de uma nova relação entre jornalistas e o público é obrigatória porque as pessoas estão fadadas a ter um papel diferente do actual na produção de notícias e principalmente na sustentação financeira dos projectos jornalísticos independentes e não comerciais”, explica Carlos Castilho.

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