As “quartas-feiras negras” são uma forma de protesto contra as condições de trabalho precárias dos jornalistas em Espanha. Começaram em Abril de 2023, e os resultados têm sido distintos para os vários grupos, mas o balanço parece ser positivo.

Num artigo publicado nos Cuadernos de Periodistas, editado pela APM, com a qual o CPI tem um acordo de parceria, o jornalista espanhol José Ignacio Wert Moreno faz um balanço das chamadas “quartas-feiras negras” (“miércoles negros”, em castelhano).

De forma genérica, a iniciativa consiste em juntar os jornalistas de uma redacção vestidos de preto e com mensagens de protesto e tirar uma fotografia, que é depois partilhada nas redes sociais. Como o nome indica, este momento acontece às quartas-feiras, e em cada semana é tomada a decisão de continuar o protesto na semana seguinte ou não.

O movimento parte da ideia de que “a imagem em plataformas como o X — antigo Twitter — pode ser considerada muito lesiva para os editores”. Ao mesmo tempo, os jornalistas não vêem a sua carga de trabalho afectada, uma vez que a mobilização dura apenas 15 minutos, como descreve José Ignacio Wert Moreno.

A primeira “quarta-feira negra” aconteceu no 19 de Abril de 2023 e foi protagonizada pelos jornalistas do El Mundo, do grupo Unidad Editorial, que conta também com o desportivo Marca.

Ao longo do ano de 2023, outras redacções juntaram-se às “quartas-feiras negras”, incluindo de títulos como o El País, ABC, La Vanguardia, editora Promecal, Canal Sur, El Periódico de Catalunya, Diario de Cádiz, entre outros, enumera o autor do artigo.

Embora as reivindicações não sejam exactamente as mesmas nos vários grupos, as principais motivações são comuns: melhorar “as condições salariais” e, particularmente, recuperar o “poder de compra depois da subida descontrolada do IPC [Índice de Preços do Consumidor] sobretudo durante 2022”, resume o jornalista. Além das questões salariais, tem sido também motivo de discussão a obrigatoriedade do regresso aos escritórios depois dos anos em regime de teletrabalho, motivado pela pandemia da COVID-19.

O impacto das “quartas-feiras negras”

No grupo Unidad Editorial, as negociações começaram logo depois da primeira “quarta-feira negra”. Neste caso, os trabalhadores recuperaram o poder de compra através do pagamento de um valor extraordinário compensatório. Quanto ao teletrabalho, direcção e jornalistas estão a tentar chegar a um acordo sobre o número de dias que cada trabalhador pode ficar a trabalhar em casa.

Também no La Vanguardia, do Grupo Godó, a adesão dos jornalistas às “quartas-feiras negras” parece ter surtido efeito, tendo as negociações começado na véspera do início do protesto. Neste caso, os trabalhadores viram aprovada uma medida de aumento dos salários. Quanto ao teletrabalho, consideram que este é um assunto de organização interna que deve ser decidido pela direcção. Ainda assim, está a ser levantada a hipótese de aprovar um dia por semana nesse regime.

No ABC, os trabalhadores manifestam-se contra uma perda do poder de compra na ordem dos 35%, associada ao aumento da carga de trabalho, além do elevado número de demissões no último ano. Neste caso, o protesto não deu frutos até agora: a proposta de aumento de 4% do salário, baseada no acordo geral com os sindicatos, não foi aceite. À data da publicação do artigo na APM, as negociações tinham sido retomadas, mas ainda não havia acordo. A hipótese do teletrabalho tem sido levantada como contrapartida ao não aumento dos salários.

No grupo PRISA, que inclui o El País, Cadena SER, Cinco Días, entre outros, e onde os salários não eram actualizados há 12 anos, foi convocada uma greve para o período da campanha eleitoral, em Julho do ano passado, incluindo a hipótese de paragem no dia das eleições gerais (23 de Julho). A greve acabou por não ser realizada, porque se abriram as portas às negociações. “As greves funcionam…, mesmo que não sejam realizadas”, conclui um representante dos trabalhadores, citado por José Ignacio Wert Moreno.

Cientes da dificuldade de aumentos na proporção da subida do IPC, o acordo fixou-se no aumento de 4% do salário, proposta discutida entre a entidade patronal e os principais sindicados do sector. O tema do teletrabalho não foi levantado nas negociações por receio de que “fosse usado como desculpa” para não concretizar as medidas diretamente relacionadas com o aumento do poder de compra.

Neste grupo, os trabalhadores consideram que as conquistas feitas nas negociações resultaram mais do anúncio da greve do que da adesão às “quartas-feiras negras”. Para estes jornalistas, iniciativas deste género podem às vezes “criar uma falsa sensação de vitória” por gerarem “muita conversa dentro da bolha do jornalismo”, explica o autor do artigo.

Para os promotores do protesto com quem a APM tem falado, apesar da disparidade de reacções por parte das diferentes direcções, a iniciativa tem efectivamente tido visibilidade, mais dentro do meio jornalístico do que fora, e tem-se traduzido em “alguns resultados que não podem ser ignorados”, indica José Ignacio Wert Moreno, em jeito de balanço.

(Crédito da imagem: Fotografia partilha na conta do X do conselho de redacção do El Mundo.)