“A acelerada multiplicação dos chamados influenciadores digitais reduz cada vez mais o espaço ocupado pelo jornalismo junto do público consumidor de notícias, principalmente entre os jovens adultos com menos de 35 anos. Isto significa que o exercício do jornalismo está a deixar de ser associado a instituições como a imprensa e as metáforas como ‘quarto poder’ ou ‘cão de guarda dos poderosos’. É o que se tornou conhecido como desinstitucionalização, ou seja, a debilitação de estruturas que garantem o funcionamento de actividades sociais como, por exemplo, o jornalismo”, afirma Carlos Castilho, num artigo publicado pelo Observatório de Imprensa do Brasil, com o qual o CPI mantém um acordo de parceria.

O texto de Carlos Castilho aborda a forma como a produção individual de informações está a alterar a maneira como as pessoas consomem notícias e as bases nas quais o jornalismo se fundamenta. Pesquisas do Pew Research Center mostram que um em cada cinco norte-americanos obtém as suas informações exclusivamente através de influenciadores digitais, uma proporção que aumenta entre os jovens. 

Carlos Castilho descreve, por isso, que estamos perante “um processo de disrupção inédito na história do jornalismo porque toda a actividade está a ser alterada”. Inicialmente, os métodos de produção de notícias mudaram com a introdução de computadores, internet e inteligência artificial. Depois, o modelo de negócios da imprensa tradicional entrou em crise, responsável pelo encerramento “de quase metade de todos os jornais do mundo". Como resultado, muitos dos profissionais que foram para o desemprego decidiram reinventar-se como newsfluencers, criando conteúdo digital de forma independente, seja em projectos individuais ou em plataformas como Medium, Substack e Patreon

“Como era de se esperar, o crescimento e a prosperidade dos influenciadores digitais não foram bem-vistos pelo jornalismo na grande imprensa. A resistência foi provocada pelo facto de os produtores independentes de notícias estarem a ocupar espaços crescentes no âmbito da informação pública, acabando com uma exclusividade e poder centenários. Mas também é claro que, como a actividade dos influenciadores é muito recente e não regulamentada, multiplicaram-se os casos de práticas delituosas, especialmente as económicas, por aproveitadores e espertalhões cibernéticos”, aponta o autor. 

O texto aborda uma outra questão: a produção de conteúdos informativos diversificou-se na era digital em função das novas possibilidades de comunicação. “A informação passou a ser a principal matéria-prima da era digital” e foram geradas novas funções no campo da comunicação social, como verificadores de notícias, relações-públicas e activistas da informação. Embora todas essas funções tenham a informação como ponto comum, a mesma é entendida de forma distinta por estes profissionais. 

Carlos Castilho explica que, para entender as divergências entre esses "informadores", é preciso perceber que a informação deixou de ser um produto tradicional, que se compra e vende, e passou a ser um activo imaterial, fluido e mutável. “Além disso, os jornalistas já não têm mais o controlo sobre a identificação, edição e distribuição de dados numéricos, factos e eventos passíveis de serem classificados como notícias”. 

O autor argumenta que estas mudanças enfraqueceram o poder das instituições que historicamente controlavam a produção de notícias. O espaço antes ocupado pela grande imprensa foi sendo preenchido por uma vasta gama de novos produtores de conteúdo e o processo de desinstitucionalização também impactou entidades como sindicatos de jornalistas, associações de empresários dos media, e até as leis sobre propriedade intelectual. 

Para Castilho, embora as funções variem - jornalistas, influenciadores, produtores de conteúdo e também relações-públicas, verificadores e activistas -, todas “compartilham a mesma obrigação de produzir informações confiáveis e combater a desinformação”. 

Em Abril do ano passado, uma mesa redonda realizada na Universidade do Texas contou com a participação de jornalistas, influenciadores e produtores de conteúdo e permitiu identificar as particularidades de cada uma destas funções: 

  • Influenciadores: têm uma maior liberdade para informar, sem a rigidez e formalismo do jornalismo tradicional. Actuam principalmente em plataformas digitais, sujeitos a regras corporativas em matéria de ética, remuneração e estratégias políticas. Geralmente, especializam-se num tema ou usam o seu carisma para atrair seguidores, com um forte foco financeiro. 
  • Jornalistas: profissionais que, ao longo dos últimos dois séculos, foram responsáveis pela informação pública, mas que estão a perder gradualmente essa exclusividade com a crescente diversificação de produtores de conteúdo na internet. O jornalismo está a passar por mudanças profundas, sem um consenso sobre qual será o seu futuro na era digital. 
  • Produtores de Conteúdo: Incluem-se os activistas da informação, que promovem uma causa social, política, legal, económica ou ambiental. Não procuram a imparcialidade em temas específicos, mas continuam submetidos ao compromisso da veracidade e exactidão das informações. 

Castilho amplia a discussão ao incluir relações-públicas, assessores de imprensa e verificadores de informações no grupo de comunicadores que lidam com a mesma matéria-prima, a informação. Embora não tenham participado da mesa redonda do Texas, estes profissionais “estão sujeitos às mesmas condições para a produção e disseminação da informação. A diferença nestas actividades é que a sua legitimidade e credibilidade está directamente ligada à transparência dos seus objectivos e métodos”. 

Embora ainda existam discrepâncias entre jornalistas, influenciadores, relações-públicas, assessores e activistas, essas divergências tendem a diminuir à medida que todos os grupos se adaptam às mudanças impulsionadas pela internet e pela digitalização no campo da comunicação. “Afinal, todas estas funções trabalham com a mesma matéria-prima – a informação", conclui Carlos Castilho.

(Créditos da imagem: Pexels)