A ministra da Cultura francesa, Rima Abdul Malak manifestou a sua profunda preocupação pelos “valores republicanos” e que entende as inquietudes da redacção do Journal du Dimanche (JDD), onde se desencadeou uma geve com a nomeação de um novo director conotado com a extrema-direita, Geoffroy Lejeune.

O jornal, agora controlado por Vincent Bolloré, tem estado fechado.

“Um movimento de greve no seio do Journal du Dimanche impediu-nos de publicar a sua edição de 25 de Junho de 2023, tanto na sua versão digital, como na sua versão em papel. Expressamos as nossas mais sinceras desculpas”, lê-se no site do jornal. A greve foi aprovada por 98% da equipa do jornal.

Em causa, a chegada de Geoffroy Lejeune, afastado do semanário de Valeurs Actuelles, como director editorial.

A associação de jornalistas (SDJ) do JDD, considera esta situação como um alerta para a redacção, pedindo à direcção que desista da nomeação. "A redacção do JDD recusa-se a ser liderada por um homem cujas ideias estão em total contradição com os valores do jornal", afirma.

“O meu ritual de domingo era acordar com o JDD. Hoje não aparece”, escreveu Rima Abdul Malak no Twitter. “Entendo as preocupações da sua equipa editorial. Em Direito, o JDD pode ser o que quiser, desde que respeite a lei. Mas para os nossos valores republicanos, como não nos alarmarmos?", acrescentou.

A formulação da ministra da Cultura foi criticada pelo responsável do Mediapart, Edwy Plenel: “Não, Rima Abdul Malak, um capitalista dono de um meio de comunicação não pode fazer com ele “o que quiser”. Ao não respeitar a independência da redacção, está a atacar um direito fundamental, a liberdade de informação. Além disso, o JDD recebe ajudas públicas do Estado”, reagiu.

A especialista em economia dos media, Julia Cagé, também destacou essa ajuda do Estado. No Twitter, Cagé pediu à ministra da Cultura que “use esta alavanca”: “Você é Ministra da Cultura. Não pode aceitar que a independência dos jornalistas seja espezinhada desta forma (...) A boa saúde da democracia em França depende disso.”

O deputado Jean-Philippe Tanguy lamentou, no programa "Questões Políticas", que a ministra da Cultura "se tenha manifestado sobre uma linha editorial" de um jornal. No entanto, também afirmou que não está em “total oposição ao facto de que existe uma reflexão democrática sobre quem pode ser dono dos media, em França”.

A redacção do JDD teme que se repita um método já denunciado por outros meios de comunicação controlados por Vincent Bolloré: mudanças na direcção e intervenções na linha editorial.

Cerca de trinta associações de jornalistas de grandes meios de comunicação, incluindo Le Monde, France Télévisions, Le Figaro, Le Parisien, Liberation, Radio France e até Paris Match, deram o seu apoio aos jornalistas em greve do JDD, num fórum publicado na Mediapart.

“Partilhamos da constatação feita pelas equipas do JDD, de que a nomeação de Geoffroy Lejeune, ex-director do semanário de extrema-direita Valeurs Actuelles, cujo conteúdo odiável foi condenado pela Justiça, é incompatível com os valores que o jornal carrega há setenta e cinco anos”.

Sob a direcção de Lejeune, a revista Valeurs Actuelles ​​​​foi condenada por “insulto público de natureza racista” à deputada negra do partido de esquerda A França Insubmissa, Danièle Obono. Em causa, um artigo e uma caricatura publicados, em agosto de 2020, sob o título “Obono a Africana”, onde a eleita, originária do Gabão, foi representada como escrava.

A líder da Confederação Geral do Trabalho (CGT), em França, Sophie Binet, também expressou o seu "total apoio aos jornalistas do JDD", dizendo que "a extensão do império mediático de Bolloré [era] um sério perigo para a democracia".

Esta é, aliás, uma preocupação amplamente partilhada por grande parte dos políticos dos outros quadrantes, que referem uma suposta ambição do bilionário, que agora controla vários grandes meios de comunicação (como Canal +, Paris Match, Europe 1 e CNews), em preparar o terreno para aquisições de extrema-direita na corrida à eleição presidencial de 2027.

A deputada verde, Sandrine Rousseau, também apoiou os funcionários do jornal, e o líder do Partido Socialista, Olivier Faure, disse estar "muito preocupado com o pluralismo". “Hoje temos um problema de concentração nas mãos (…) de Vincent Bolloré, é toda uma galáxia que se põe ao serviço de um homem e ao serviço de uma ambição, de uma ideologia” referiu. “A ambição é a conquista do poder, relembro que Vincent Bolloré esteve por trás da candidatura de Eric Zemmour às últimas eleições presidenciais”.

Faure pediu uma nova legislação para garantir a liberdade de imprensa, e no parlamento, os socialistas estão a trabalhar num projeto de lei sobre o assunto. Uma perspectiva a que a Presidente da Assembleia Nacional, Yaël Braun-Pivet, não fechou a porta. “Dados os desenvolvimentos tecnológicos, e também o cenário da imprensa, devemos rever tudo”, disse numa entrevista ao France 3.