Jornalismo tradicional é fundamental em cenário de guerra
A investigação visual forense evoca uma imagem mental de peritos técnicos que fazem corresponder linhas temporais de eventos entre clipes de vídeo em ecrãs de computador, longe do incidente investigado.
Segundo Rowan Philp afirma num artigo publicado no Global Investigative Journalism Network, a chave para essa técnica de identificação de culpados e reconstrução de eventos está na reportagem tradicional no terreno, e não nas sofisticadas ferramentas forenses usadas posteriormente.
Repórteres de campo sem habilidades técnicas específicas desempenham um papel crucial ao convencer testemunhas a partilharem vídeos sensíveis, ajudar lojistas em zonas de guerra a activar suas câmaras de segurança durante cortes de energia, fornecendo um elemento emocional a histórias forenses.
"Muitas vezes, só é possível reunir provas credíveis se nos encontrarmos cara a cara com as fontes”, defende Yousur Al-Hlou, jornalista de vídeo sénior do The New York Times.
Na sessão da 13.ª Conferência Global de Jornalismo de Investigação (#GIJC23) em Gotemburgo, na Suécia, Yousur Al-Hlou revelou como ela e a sua colega, Masha Froliak, passaram meses na Ucrânia em 2022 para reunir as provas para a premiada investigação do Times sobre os crimes de guerra de Bucha.
Al-Hlou deu crédito aos seus colegas de equipa, localizados em Nova Iorque, pelo seu trabalho épico de verificação e apresentação das provas finais que mostram que um regimento de pára-quedistas russos - e um comandante que conseguiram nomear - foram responsáveis pelo massacre de civis na rua Yablunska, em Bucha, em abril passado.
A jornalista destacou a importância dos repórteres no terreno para estes projetos, uma delas o facto de as redações estarem, atualmente, a criar as suas próprias unidades de investigação visual a partir do zero; outra é que os repórteres persistentes sem conhecimentos especiais de informática devem sentir-se confiantes para se candidatarem a estas equipas.
"Muitas pessoas podem pensar que o trabalho na equipa de investigação visual do The New York Times requer ferramentas sofisticadas, tecnologias específicas e trabalho de escritório, mas nem sempre é esse o caso", explicou.
Na sessão da conferência sobre "Investigações visuais: Técnicas de reportagem", o colega de Al-Hlou, Malachy Browne, produtor sénior de histórias para a equipa de investigações visuais do Times, descreveu uma lista crescente de temas de investigação que o jornalismo forense visual está a abordar.
Os projetos recentes do Times incluem um ataque com mísseis contra um avião civil no Irão, a fuga de documentos militares confidenciais por parte de um jovem aviador dos EUA e o assassinato de Breonna Taylor pela polícia.
Segundo Al-Hlou, a caixa de ferramentas forenses da sua equipa inclui software de modelação 3D, correspondência facial, reconhecimento de objectos com base em IA, imagens de satélite e até radares de satélite para dias nublados. No entanto, tal como Al-Hlou, Browne disse que mesmo a parte técnica da equipa começa com as fontes e a reportagem tradicional.
A história de Bucha, por exemplo, dependeu das informações recolhidas pelos repórteres de campo que entrevistaram as famílias das vítimas e conseguiram os números de telefone de vítimas, que foram fundamentais para rastrear chamadas sociais feitas por soldados dos telefones que tinham roubado aos civis ucranianos assassinados.
Os meses que Al-Hlou e Froliak passaram em Bucha não apenas forneceram provas cruciais, mas também transformaram sua relação com a comunidade local, passando de estranhos a membros de confiança.
"A equipa utilizou a metodologia de investigação de fonte aberta no projeto, mas a história baseou-se em material que recolhemos em reportagens no terreno, utilizando o toque humano", explicou Al-Hlou.
"Um dia, decidimos falar com um homem que estava a apanhar cerejas. Como fazíamos todos os dias, perguntámos: ‘Esteve aqui durante a ocupação?’; ‘Tem telemóvel?’; ‘Tinha energia?’; ‘Gravou alguma coisa em março?”, relata.
Ao que ele respondeu: "Não me lembro do que gravei e apaguei algumas coisas.
Segundo contou, o telemóvel do homem incluía fotografias e vídeos com data e hora que mostravam uma cronologia clara do dia em que os soldados russos mataram os civis no bairro.
"Fomos rapidamente para o mês de março no seu telemóvel e encontrámos alguns vídeos que mostravam a sua perspetiva do ataque, onde ele segurava a sua câmara com grande risco para a sua segurança pessoal porque os soldados russos ameaçavam matar os residentes que os filmassem", conta Al-Hlou.
Estas investigações são caras e demoradas, envolvendo custos com viagens, tradução, documentos e entrevistas em línguas estrangeiras, mas trata-se de histórias que desempenham um papel crucial na exposição de crimes e na busca pela verdade.