Os dados de uma pesquisa do Reuters Institute mostram uma tendência no mundo das notícias digitais: em todos os países, assiste-se a uma estagnação ou declínio no envolvimento com as notícias online. As pessoas estão a afastar-se das notícias, e, segundo o Reuters Institute, isto tem uma série de implicações.  

O artigo baseia-se em dados do inquérito anual Digital News Report, revelando uma queda no interesse pelas notícias e um aumento no evitamento das notícias em 17 países desde 2015. As tendências são mais acentuadas entre os jovens e os que não têm diploma universitário, “agravando as desigualdades de informação já existentes”. 

“Chamar a atenção para esta tendência é importante porque este declínio no envolvimento com as notícias pode ter implicações negativas para a participação democrática e para o combate à desinformação, entre outras coisas. Os meios de comunicação social fornecem às pessoas informações de que podem precisar no seu quotidiano, mas muitos estão a afastar-se deles”, lê-se no relatório.  

Envolvimento com as notícias online em declínio  

Deixamos alguns dos dados apurados pelos investigadores do Reuters Institute: 

  • o consumo de notícias online em geral tem-se mantido estável ou tem vindo a diminuir em muitos países. Ainda assim, a utilização semanal de notícias online diminuiu a um ritmo mais acentuado entre os jovens e as pessoas sem um diploma universitário; 
  • Entre 2015 e 2024, a proporção de pessoas entre os 18 e os 24 anos que utilizam semanalmente notícias online diminuiu 13 pontos percentuais, em comparação com apenas 5 pontos entre as pessoas com mais de 55 anos;   
  • Embora uma maior proporção de jovens tenha utilizado consistentemente as notícias online ao longo dos anos, com muitas pessoas mais velhas a preferirem ainda consumir notícias impressas ou na televisão, esta tendência está a mudar: a proporção de jovens entre os 18 e os 24 anos que consomem notícias online é inferior à proporção de jovens entre os 25 e os 34 anos e entre os 35 e os 44 anos que consomem notícias online
  • A redução no consumo online não foi compensada pelo uso de notícias em jornais impressos ou na televisão, com poucos jovens a recorrerem a essas fontes; 
  • A queda na utilização de notícias online entre 2015 e 2024 foi de -7 pontos entre os que não têm um diploma universitário, em comparação com nenhuma mudança significativa (-1 ponto) entre os que têm um diploma.    

O relatório salienta que nem todos os países apresentam as mesmas tendências, “sendo que os mercados nórdicos, por exemplo, tendem a evitar declínios maiores. A proporção de pessoas na Finlândia que consomem notícias online caiu apenas dois pontos desde 2015 (de 90% para 88%). Mas o facto de vermos declínios mesmo em dados agregados que incluem estes países diz-nos algo sobre a dimensão de alguns declínios em mercados como o Brasil, onde a proporção de pessoas que consomem notícias online caiu 17 pontos (de 91% em 2015 para 74% em 2024)”.

O que leva a estes declínios? 

Os investigadores explicam que existem muitos factores que podem explicar o declínio do consumo de notícias online em geral (e entre alguns grupos mais do que outros). As explicações estão muitas vezes interligadas e funcionam em simultâneo, o que torna a explicação do comportamento das audiências numa tarefa complicada. 

“Um dos factores de previsão mais fortes do consumo de notícias que encontramos na nossa investigação é o interesse pelas notícias. Naturalmente, é preciso estar interessado em alguma coisa para gastar o seu tempo com ela, quer seja a jogar videojogos, a ler livros ou a consumir notícias”. Tem havido um declínio do interesse entre todos os grupos ao longo do tempo e, mais uma vez, o declínio é mais acentuado entre as pessoas do grupo etário mais jovem e sem um diploma universitário - entre 2015 e 2024, o interesse pelas notícias diminuiu 22 pontos entre os jovens de 18 a 24 anos e 19 pontos entre os que não possuem um diploma universitário. Os investigadores acreditam que esta situação pode estar a contribuir para os declínios registados na utilização de notícias online.  

“Quando se trata de explicar porque é que o interesse pelas notícias em si caiu tão acentuadamente, e especialmente entre certos grupos, há, mais uma vez, muitas explicações possíveis. Uma delas pode estar relacionada com a atracção por outros conteúdos mais apelativos”. O relatório indica também que a forma como os sites ou aplicações das redes sociais funcionam, em particular, também contribui provavelmente para o declínio do interesse e da participação nas notícias. 

Os algoritmos das redes sociais, optimizados para maximizar o tempo de envolvimento dos utilizadores, dão prioridade a conteúdos como vídeos curtos de entretenimento em vez de notícias. É dado o exemplo do Facebook, que se afastou das notícias e da verificação de factos, devido aos problemas causados pelas notícias políticas: “As notícias políticas causavam-lhes dores de cabeça, pelo que se afastaram. É também muito provável que isto contribua para o declínio do interesse das audiências: o dilúvio de notícias políticas desmotivou as pessoas”.   

Um outro factor mencionado é a “falta de representação positiva”. Um outro relatório do Reuters Institute concluiu que a classe trabalhadora no Reino Unido se sentia “frequentemente mal representada e maltratada pelos meios de comunicação social, o que explicava, em parte, a sua baixa confiança e desinteresse”. Os participantes na investigação referiram que, quando recebiam cobertura, eram representados de uma forma negativa. 

“Ao mesmo tempo, as notícias podem não estar a responder às necessidades de pessoas diferentes”. O Digital News Report 2022 revelou que os jovens “têm mais probabilidades do que os mais velhos de evitar as notícias por acharem que estas são difíceis de seguir ou de compreender”, indicam os investigadores. 

Afastamento das notícias 

Nos últimos anos, em todos os países analisados tem aumentado o número de pessoas que afirmam não consumir notícias, tanto offline quanto online. O relatório considera que “a tendência a longo prazo para todos os grupos é um aumento do desinteresse pelas notícias. Mas, mais uma vez, as pessoas dos escalões etários mais jovens e as que não têm um diploma universitário têm mais probabilidades de o afirmar”. 

Contudo, os investigadores salientam que, embora os inquiridos afirmem que não consomem fontes de notícias, isto não significa que estejam “completamente desligadas das informações sobre o mundo que os rodeia”, isto porque podem ter ouvido falar de notícias nas redes sociais ou por meio de conversas. 

“Também é importante reconhecer que, para algumas pessoas, evitar as notícias é uma escolha positiva. Há muitos exemplos de pessoas que evitam selectivamente as notícias para se protegerem de serem dominadas pelo medo ou pela ansiedade, como aconteceu durante a pandemia do Coronavírus”. 

Como encarar este cenário? 

Embora as tendências sejam negativas, os investigadores acreditam que existem formas de enfrentá-las e deixam algumas sugestões: “Os editores poderiam abordar um leque mais alargado de temas ou questões que interessam às pessoas, especialmente ao público mais jovem. A incessante cobertura política poderia ser atenuada, tanto em termos de volume como de negatividade. As necessidades específicas do público poderiam ser mais bem atendidas, tornando as notícias úteis e valiosas. Os formatos ou conteúdos das notícias poderiam ser tornados mais acessíveis ou pessoais”.     

Quanto ao público, o relatório menciona que “poderá ser necessário reconhecer a importância dos aspectos sociais do consumo de notícias e o papel das notícias na sociedade”. O hábito de ler o jornal ao pequeno-almoço, de ver o noticiário em família ou de partilhar o jornal no escritório eram comportamentos que “inseriam as notícias na vida das pessoas, mas essa ligação entre as notícias e as audiências esbateu-se". 

Para reverter as tendências negativas, “talvez seja necessário um realinhamento nos meios de comunicação social e na sociedade em geral, em que as notícias voltem a ser vistas como um bem social, necessário para a vida quotidiana e para a participação política. Mas, para serem esse bem social, precisam de ser úteis ou valiosas para as pessoas. A correcção desta parte está nas mãos das organizações noticiosas”. 

O relatório pode ser lido na íntegra aqui.  

(Créditos da imagem: Unsplash)