A utilização da Inteligência Artificial (IA) no jornalismo tem vindo a levantar crescentes preocupações acerca da credibilidade da informação e dos riscos de manipulação. Um estudo desenvolvido pela Universidade da Beira Interior destaca que a introdução desta tecnologia na produção noticiosa suscita questões relacionadas com a transparência, a objectividade, a responsabilidade e a confiança do público, podendo pôr em causa a própria essência da prática jornalística. 

Entre Agosto e Setembro, vários jornalistas portugueses foram alvo de manipulações digitais que recorreram à IA para criar conteúdos falsos e difundir desinformação sobre vacinas e medicamentos. Entre os casos mais mediáticos contam-se os dos jornalistas Pedro Benevides (TVI), Clara de Sousa (SIC) e Sandra Felgueiras (TVI), cujas imagens foram alteradas e usadas em vídeos falsos divulgados nas redes sociais. 

Pedro Benevides denunciou publicamente a utilização abusiva da sua imagem num vídeo manipulado que difundia mensagens falsas sobre as vacinas contra a Covid-19, o qual já somava mais de 50 mil interacções no momento da denúncia. O vídeo apresentava o jornalista a ler supostas “notícias chocantes” sobre alegadas conspirações envolvendo as farmacêuticas Pfizer e Moderna, com o objectivo de induzir o público em erro e desacreditar as campanhas de vacinação. 

Também a jornalista Clara de Sousa foi visada num vídeo adulterado em que surgia a entrevistar um falso médico que promovia um produto denominado DiaformRx, apresentado como uma cura milagrosa para a diabetes. A jornalista esclareceu que o vídeo era falso e tinha sido editado para parecer verídico, alertando o público para o perigo deste tipo de manipulações. 

Por sua vez, Sandra Felgueiras denunciou igualmente o uso indevido da sua imagem em campanhas de desinformação, sublinhando que tais práticas configuram crimes e defendendo que a IA deve ser utilizada de forma ética e responsável. 

A investigadora Inês Narciso, do ISCTE-IUL, especialista em desinformação, afirmou à Lusa que o actual contexto é preocupante, pois o acesso a ferramentas de IA que permitem criar e disseminar campanhas de informação manipulada é cada vez mais fácil e económico. Segundo a investigadora, estas práticas representam um “duplo ataque”: por um lado, procuram minar a confiança do público nas instituições e no sistema mediático; por outro, exploram a credibilidade associada à imagem dos jornalistas. 

Inês Narciso defende que este fenómeno poderá levar a uma revalorização das fontes tradicionais de informação, como a rádio, a imprensa e a televisão, que ainda preservam maior confiança junto do público. A investigadora critica, contudo, a falta de acção das plataformas digitais, considerando que estas não têm feito o suficiente para identificar e remover conteúdos manipulados, muitas vezes utilizando o argumento da censura como escudo para justificar a sua falta de actuação. 

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