O mundo dos media digitais tem enfrentado um ano complicado — o pior até o momento, se for medido em cortes de empregos e, num artigo publicado no “Columbia Journalism Review”, Feven Merid refere que, apesar dos desafios no sector do jornalismo, é importante lembrar que nada é inevitável. 

A jornalista sugere que várias alterações foram feitas e nos trouxeram até aqui e que, agora, é necessário decidir qual o próximo passo a dar neste cruzamento em que nos encontramos. 

Para o artigo, conversou com vários especialistas de diferentes áreas da media, reunindo orientações para se guiarem nos meios digitais. 

Brian Hioe, cofundador da revista online “New Bloom”, acredita que o sucesso está "em ser adaptável" em termos de onde e como apresentamos o trabalho. Taylor Lorenz, jornalista de tecnologia no “Washington Post”, aconselha: "Precisa, realmente, de ouvir as pessoas e de se envolver com elas". Victor Pickard, professor na Universidade da Pensilvânia e codirector do Centro de Media, Desigualdade e Mudança, defende uma "mudança de paradigma" na forma como se financia o jornalismo, para que "o vejamos como um serviço público essencial" — independentemente de o mercado poder ou não sustentar a imprensa. Já Lauren Williams, cofundadora da “Capital B”, salientou que "este momento clama por ideias audaciosas". 

Confie nos seus instintos 

Kelsey Weekman, jornalista especializada em cultura da Internet, reflecte sobre a evolução do panorama da gestão das redes sociais para empresas e meios de comunicação social. Ela aponta várias áreas-chave que precisam de ser reavaliadas:

Automatização e esgotamento: Weekman destaca a elevada taxa de esgotamento entre os gestores de redes sociais devido à programação exaustiva de publicações. Sugere a automatização da programação e das publicações para permitir que estes profissionais tenham mais tempo para se concentrarem na elaboração de conteúdos significativos. 

Esta mudança, no entanto, não deve resultar na eliminação de postos de trabalho, mas ter como objectivo aliviar a carga dos profissionais das redes sociais.

Equilíbrio entre desempenho e qualidade: Os meios de comunicação social, de acordo com Weekman, devem servir para publicar ocasionalmente conteúdos que podem não ter um desempenho excepcional. Esta estratégia pode desafiar a abordagem de avaliação predominante, que se baseia quase exclusivamente em objectivos e tráfego. Criar consumidores de notícias completos envolve um equilíbrio entre o desempenho do conteúdo e o fornecimento de informações diversas e relevantes.

Aprender com plataformas de sucesso: Weekman chama a atenção para algumas plataformas que divulgam "informação" de forma eficaz. Embora reconheça que algumas dessas plataformas nem sempre aderem às melhores práticas jornalísticas ou utilizam fontes originais, Weekman destaca o mérito da forma como apresentam os conteúdos e envolvem o público. Incentiva os gestores das redes sociais a aprenderem e a inspirarem-se nestes modelos de sucesso.

Conteúdo diversificado e fiabilidade: Weekman observa que apelar aos instintos básicos, como notícias sensacionalistas ou chocantes, pode atrair a atenção, mas defende um conteúdo mais envolvente, incluindo o destaque de jornalistas individuais através de contas oficiais dos meios de comunicação, criando figuras em que o público pode confiar e antecipar. Esta estratégia transcende a relação tradicional entre os consumidores e os meios de comunicação social, estabelecendo uma ligação mais pessoal.

Em suma, Weekman defende que se repensem as estratégias para as redes sociais, equilibrando o desempenho dos conteúdos com a diversidade, explorando modelos de conteúdos não tradicionais, mas cativantes, e centrando-se na visibilidade dos jornalistas individuais para estabelecer uma relação de confiança com o público.

Aproveite as plataformas de mensagens onde seu público-alvo está

Nicolás Ríos, director de audiência e comunidade da “Documented”, refere que um dos seus “principais produtos é uma plataforma de mensagens” no “WhatsApp”. 

Antes de criarmos esse produto, pensámos no que um grande público imigrante de língua espanhola precisaria em termos de conteúdos e onde precisaria deles. O produto que temos agora no WhatsApp está a funcionar de forma fantástica”, refere. 

Ríos indica que a intenção era “dar continuidade a esta ideia, a esta metodologia, e avançar para novas comunidades”. 

Os dados públicos mostraram que a segunda e terceira maiores comunidades em Nova Iorque são os imigrantes chineses e caribenhos. Por isso, decidiram avançar com uma iniciativa de pesquisa de audiências, na qual entrevistaram mais de mil pessoas destas comunidades. 

“Não utilizamos apenas a pesquisa como forma de distribuir o nosso conteúdo. Também incluímos as respostas que recebemos na criação de conteúdos”.

Melhore suas práticas de contratação com descrições de cargos mais precisas

Emma Carew Grovum, directora de carreiras e cultura no projecto “Marshall”, defende que uma das coisas que as pessoas devem fazer é escrever descrições de funções que expliquem realmente a função. 

Grovum refere a que muitas descrições de funções são simplesmente replicadas sem reflectirem verdadeiramente as necessidades do cargo. Grovum descreve ainda como uma inconsistência exigir um diploma universitário de quatro anos para ser jornalista, pois considera desactualizado. 

A directora incentiva a utilização de uma grelha de avaliação mais específica para avaliar candidatos, considerando suas habilidades técnicas e narrativas e aconselha a explicitar na descrição do trabalho que a lista de requisitos é uma “idealização” e o candidato perfeito pode até não existir.

Grovum destaca uma diferença de comportamento entre homens e mulheres na procura de empregos, observando que os homens tendem a candidatar-se mesmo quando não cumprem todos os requisitos, enquanto as mulheres hesitam a menos que cumpram a todas as competências exigidas. Tal resulta em menos candidatas do sexo feminino. 

No “The Marshall Project”, Grovum orgulha-se de uma prática adoptada para cargos importantes, onde oferecem sessões de "contratação" semelhantes a “webinars”. Durante essas sessões, os candidatos podem interagir com os editores, obter informações sobre o que a organização procura nos portfólios, cartas de apresentação e detalhes sobre as responsabilidades do cargo. Essa abordagem visa fornecer orientações directas e claras aos candidatos.

A "homepage" é um lugar significativo para mostrar a identidade do meio e deve ser usada para atrair o público

Hillary Frey, editora da “Slate”, discute a mudança na abordagem da página inicial  (“Homepage”) de um sitecomo um reflexo tardio em comparação ao foco anterior no alcance do público a todo custo, independentemente de onde estivesse. Relembra um tempo em que a página inicial era menos relevante, pois a ênfase estava em alcançar o público onde quer que ele estivesse, mesmo que em plataformas externas como o Facebook.

O foco na geração de visualizações não correspondia necessariamente à interacção real do público. Frey destaca ainda a dificuldade em controlar outras plataformas externas, ao contrário da página inicial, que representa um lugar onde a identidade e o conteúdo do site podem ser controlados. E enfatiza que a página inicial é um espaço importante para os leitores fiéis da “Slate”, pois podem descobrir uma variedade de conteúdos, mas o objectivo principal é trazer esses leitores de volta ao site e transformá-los em assinantes e leitores regulares do site.

Além disso, Frey destaca o aspecto criativo da página inicial, visto como um local para contar histórias, onde são tomadas decisões importantes sobre quais as notícias a destacar e como apresentar as melhores histórias, ângulos exclusivos e conteúdos mais surpreendentes – é um espaço onde a narrativa e o conteúdo editorial ganham destaque. 

No artigo, Feven Merid destaca ainda outras opiniões e sugestões:


Victor Pickard, professor de política dos media e economia política na Universidade da Pensilvânia e codirector do centro de media, desigualdade e mudança, sugere que é fundamental que se trate o jornalismo como um serviço público essencial, não apenas como um negócio. Para tal, propõe um modelo de um Centro de Media Pública, inspirado em instituições como a BBC, onde todos os membros da sociedade teriam acesso a um nível básico de notícias.

Já Ko Bragg, editora na “Markup”, sugere que se encontrem maneiras de conectar as pessoas sem se depender de plataformas controladas por um grupo específico e destaca o interesse crescente em “newsletters” como forma de atingir e conectar com público. Refere ainda que o modelo local e de parcerias é valioso para meios mais pequenos, colaborando com outros meios já estabelecidos para alcançar um público mais amplo.

Max Read, antigo editor da “Gawker”, acredita no desenvolvimento de uma voz única para construir reconhecimento e lealdade entre os leitores e destaca a importância de ter uma voz para a publicação em si.

A jornalista do “Washington Post”, Taylor Lorenz, apela à interacção com o público e a que se responda às críticas de forma humana, argumentando que o envolvimento directo entre jornalistas e leitores ajuda na confiança e no esclarecimento.

Brian Hioe, escritor, tradutor e cofundador da “New Bloom”, aponta a necessidade de se adaptar a informação para diferentes demografias, reconhecendo que diferentes grupos consomem a informação de maneiras distintas.

Simon Allison, editor do ”The Continent”, reconhece a importância de criar produtos de media adaptados a plataformas como o WhatsApp.

A cofundadora do “Capital B” Lauren Williams chama a atenção para a necessidade de filantropia no apoio ao jornalismo local, não apenas no jornalismo de investigação e, para tal, propõe estabelecer de parcerias.

Gutes Guterman, cofundador da “Byline”, fala sobre a importância de publicar online e destaca a liberdade e as possibilidades desta plataforma, mas defende o equilíbrio entre o conteúdo online e sua longevidade, utilizando temas mensais para dar estrutura e durabilidade ao conteúdo.