Como podem os “media” contrariar a fuga de leitores

A directora da BBC News, Deborah Turness, anunciou mudanças na forma de trabalho da sua equipa para combater a “tendência crescente de evitar as notícias”. Num artigo do jornal The Guardian é apresentado o testemunho de um espectador: “Costumava ver as notícias na televisão todas as manhãs, durante cerca de uma hora, enquanto preparava as crianças para a escola e realizava as tarefas domésticas. Agora, a televisão foi literalmente desligada da tomada. Já não consigo lidar com isso. É demasiado e não há nada que eu possa fazer”.
Muitas são as pessoas que, como ele, têm procurado limitar o consumo de notícias devido a problemas como distúrbios do sono e alterações de humor. Caroline Waterston, chefe de redacção do Daily Mirror, mencionou que o maior desafio é alcançar o público abaixo dos 35 anos, uma faixa etária que tem evitado as notícias: “Se as empresas jornalísticas conseguirem descobrir como chegar a esse público, este poderá constituir uma grande oportunidade”.
O The Guardian refere que, em todas as redacções do mundo, estão a ser lançadas estratégias “para chegar aos que evitam as notícias, um grupo de pessoas que se recusam a participar nas notícias e que estão na origem de um declínio a longo prazo”. De acordo com uma pesquisa do Instituto Reuters, o número de pessoas que evitam notícias selectivamente aumentou três pontos percentuais no ano passado para 39%, um aumento de dez pontos percentuais desde 2017.
O jornal britânico informa que, na última década, o número de pessoas que recebem notícias online diminuiu em todas as faixas etárias. Este declínio é alimentado por três grupos distintos: " O primeiro é um grupo crescente de antigos consumidores de notícias que estão a recuar, o segundo é um grupo que nunca se envolveu com as notícias, enquanto o terceiro grupo, que preocupa os executivos dos meios de comunicação, é o dos jovens, que parecem ter perdido a confiança nas marcas de notícias estabelecidas”.
O problema foi intensificado por mudanças nos algoritmos das redes sociais e motores de busca, o que dificultou o acesso das pessoas aos sites de notícias. Benjamin Toff, director do Centro de Jornalismo do Minnesota, aponta que o público está a acusar “um certo grau de cansaço e exaustão”, optando por reduzir o consumo para proteger a saúde mental. Além disso, plataformas como o Instagram e o TikTok, que dificultam a inclusão de links para sites externos, têm contribuído para a queda do tráfego nos sites de notícias, especialmente entre os mais jovens.
As redacções estão a adoptar várias estratégias para lidar com o aumento do conteúdo e a diminuição do tempo disponível para consumir notícias. Uma das abordagens tem sido a curadoria, com destaque para newsletters com “histórias escolhidas a dedo”, podcasts sobre temas específicos e a redução no número de histórias publicadas. A personalização das notícias é vista como a próxima fronteira, com algumas redacções já a utilizar inteligência artificial para criar newsletters personalizadas.
“Se o algoritmo de personalização tiver em conta os interesses pessoais e as tendências actuais de uma forma relevante, é possível aumentar a retenção em números de dois dígitos”, afirmou Danny Lein, fundador da empresa de tecnologia Twipe, pioneira na criação de newsletters personalizadas no Times. Desde então, a empresa implementou o sistema em sete redacções internacionais.
A personalização das notícias é vista como uma resposta potencial para atrair mais leitores, mas há desafios a considerar. Deborah Turness, da BBC, acredita que a personalização pode ser uma solução, já que a empresa tem muitos dados para ajudar a adaptar o conteúdo aos interesses dos utilizadores. No entanto, a BBC ainda tem regras rigorosas sobre o uso de inteligência artificial e ainda não definiu claramente quais serão os planos neste sentido. Craig T. Robertson, do Reuters Institute, alerta que a personalização pode criar "câmaras de eco" (eco chambers), onde os leitores só recebem conteúdo alinhado com as suas opiniões, o que pode ser problemático. Ele também aponta que, ao personalizar o feed de notícias, as pessoas podem sentir que estão a perder outras perspectivas.
Outro problema identificado pelos leitores é a negatividade e a sensação de impotência geradas pelas notícias. Ao descobrirem que um terço das pessoas que abandonavam as suas assinaturas se queixavam de cansaço em relação às notícias, os executivos do eldiario.es começaram a desenvolver um novo produto focado nas melhores notícias do mês ou em histórias com um tom mais construtivo. Da mesma forma, o Dagens Nyheter, na Suécia, tem incluído artigos mais positivos, mesmo ao abordar temas difíceis.
“O movimento do ‘jornalismo construtivo’, que começou na Dinamarca e encoraja mais histórias sobre o progresso e a resolução de problemas, está a ganhar terreno”, menciona o The Guardian. Oliver Duff, editor do i Paper, mencionou que este movimento é frequentemente visto como um “palavrão nas redacções”, mas defendeu que deve ser levado a sério, pois o público está cada vez mais a pedir este tipo de abordagem.
Para conquistar a Geração Z, muitos estão a reconhecer que será necessário “reimaginar radicalmente o que as redacções fazem”. O jornal britânico acrescenta que, na Escandinávia, editoras como a Schibsted estão a dedicar mais tempo a explicar as suas decisões editoriais. É também destacada a importância de "abrir a cortina" do processo editorial, ou seja, explicar por que um jornalista tem experiência num determinado assunto ou como a pesquisa para uma história foi rigorosa.
Além disso, empresas como a Reach, dona do Daily Mirror, “está a planear utilizar novos estúdios para chegar a um público mais jovem através do vídeo - e alguns dos seus jornalistas estão a ser encorajados a ser mais como influenciadores”. A chefe de redacção do jornal disse que um jornalista foi encorajado a falar sobre as suas emoções ao participar de um importante processo judicial. “Devíamos inclinarmo-nos para isso”, remata.
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