Balanço incompleto sobre liberdade de imprensa em cem dias da nova presidência dos EUA

Um artigo do Columbia Journalism Review explora como a imprensa está a lidar com o ambiente político e social nos Estados Unidos, especialmente depois do regresso de Donald Trump enquanto Presidente do país.
É feita uma retrospectiva do estado da liberdade de imprensa durante o mandato de Trump, lembrando que, em 2020, vários jornalistas e comentaristas internacionais começaram a alertar sobre o crescente autoritarismo nos EUA. A colunista do Washington Post, Karen Attiah, por exemplo, escreveu um despacho satírico amplamente partilhado, imaginando como os meios de comunicação social cobririam os acontecimentos se estivessem a ocorrer num país estrangeiro: “Nos últimos anos, a comunidade internacional fez soar o alarme sobre a deterioração da situação política e dos direitos humanos nos Estados Unidos sob o regime de Donald Trump. A antiga colónia britânica encontra-se numa espiral descendente de violência étnica. O cansaço e a paralisia da comunidade internacional são evidentes no seu silêncio, dizem os especialistas americanos".
Nas vésperas da tomada de posse de Trump, em Janeiro, o The Guardian aproveitou o facto de ser um jornal estrangeiro com uma forte presença nos EUA para fazer reportagens com uma perspectiva diferente da de outros meios de comunicação norte-americanos e pediu a jornalistas políticos de cinco organizações noticiosas de todo o mundo que dessem a sua opinião.
“Fernando Peinado, jornalista do jornal espanhol El País, que escreveu um livro sobre os eleitores de Trump, observou a ligação entre a quebra de tabus por parte de Trump e o consenso, cinquenta anos após a sua morte, de que a ditadura de Franco em Espanha foi realmente má. Carlos Dada, do El Faro, em El Salvador, disse que Trump provavelmente daria a Nayib Bukele, o líder autoritário daquele país, carta branca para continuar a desmantelar a sua democracia em troca de cooperação em matéria de migração”.
Antes do centésimo dia de mandato de Trump, foi pedido a vários jornalistas de todo o mundo que respondessem a uma pergunta um pouco mais centrada nos media: Qual é a sua impressão externa sobre a relação de Trump com a imprensa até agora, no seu segundo mandato, e até que ponto acham que os meios de comunicação social dos EUA estão a cobrir a sua nova administração? Os profissionais “partilharam a preocupação com a extensão das ameaças de Trump à liberdade de imprensa, o receio de que estas possam repercutir-se nas suas regiões e a sensação de que, embora os jornalistas americanos estejam a dar o seu melhor, isso pode ser insuficiente face a desafios estruturais maiores ao seu trabalho - uma visão enraizada numa compreensão profunda de como os autocratas podem atingir os bolsos dos proprietários de notícias”.
Moussa Ngom, director da La Maison des Reporters, no Senegal, indicou que as tácticas de Trump contra a imprensa, como a discriminação entre meios favoráveis e críticos e a recusa de acreditação, servem de exemplo para líderes autoritários em África: “Nada disto é de bom augúrio e é também um espectáculo que pode ser usado por presidentes não democráticos no Senegal e noutros países da região - como o Mali, o Burkina Faso e o Níger, onde a repressão dos meios de comunicação social é muito activa neste momento - que podem dar o exemplo das restrições impostas aos meios de comunicação social americanos para reforçar a sua própria repressão”.
Branko Brkic, líder do Projecto Kontinuum e editor-chefe fundador do Daily Maverick na África do Sul, observou que a qualidade da cobertura da presidência de Trump quase se tornou irrelevante, sendo que o trabalho dos repórteres está a ser secundarizado pela relação entre Trump e os proprietários das empresas de comunicação social.
Patrícia Campos Mello, editora do Folha de S.Paulo, apontou como Trump tem desenvolvido estratégias mais eficazes de controlar a narrativa, dificultando a cobertura dos meios tradicionais e, ao mesmo tempo, promovendo a disseminação de conteúdos que lhe sejam favoráveis através de canais alternativos e populistas. Ela destacou também o impacto deste aspecto nas estruturas dos meios de comunicação, com a diminuição da mão-de-obra e a dificuldade em cobrir a vasta quantidade de ordens executivas e decisões do governo.
No contexto da América Latina, Marco Sifuentes, do site de notícias peruano La Encerrona, salientou a forma como Donald Trump, por um lado, descredibiliza os grandes meios de comunicação e, por outro lado, como “defende pequenos meios populistas que não escondem a sua simpatia pelo regime e servem para orientar as conferências de imprensa para os interesses do governo”.
O artigo também reflete sobre a crescente preocupação com a ameaça à liberdade de imprensa e como as práticas de Trump podem influenciar líderes em todo o mundo. Como Sifuentes conclui: "[os media] vão ter de encontrar uma solução eficaz que permita às suas audiências assimilar e processar esta situação. E estar ciente do que está realmente a acontecer, para além do som e da fúria. Caso contrário - e ouçam isto de alguém que reconhece um padrão muito familiar - o que está para vir é um terceiro mandato”.
Os testemunhos e contribuições dos jornalistas podem ser lidos na íntegra através deste artigo.
(Créditos da imagem: Unsplash)