Em mais um artigo para o Observatório da Imprensa do Brasil, com o qual o CPI mantém uma parceria, Carlos Castilho aborda a cobertura de guerras na era digital: “A maioria dos principais jornais, revistas e telejornais brasileiros parece ignorar a nova realidade informativa da era digital ao cobrir guerras contemporâneas porque usa comportamentos e métodos editoriais vigentes antes da internet”.

Explica que a imprensa adopta uma postura anacrónica ao dividir o noticiário entre “bons e maus” e ao abdicar do jornalismo de investigação. Como sublinha o investigador e jornalista, este modelo põe em risco “o papel do jornalista como profissional especializado em separar o ‘joio do trigo’ no caótico mundo das plataformas digitais”.

Apesar da avalanche informativa provocada pela internet, das perspectivas e dos contextos disponíveis, a imprensa insiste em segmentar a realidade política global em apenas dois campos. "O argumento da simplificação dos factos para facilitar a compreensão pelo público já não funciona mais diante do crescimento exponencial da oferta noticiosa num ambiente informativo cada vez mais complexo. O jornalismo não consegue mais promover uma síntese única dos factos relevantes, especialmente numa guerra, e com isto corre o risco de produzir informações distorcidas”, considera. 

A curadoria informativa 

Ao ignorar as transformações em curso no universo informativo, os meios de comunicação permitem que “velhas rotinas editoriais contaminem os fluxos noticiosos em curso no Médio Oriente e na Europa”. Castilho dá como exemplo os bombardeamentos israelitas sobre o Irão, em que a dependência exclusiva de declarações e boletins oficiais criou uma “grande confusão na cabeça das pessoas”, devido à ausência de explicações coerentes sobre a diplomacia dos EUA, a obstinação militar de Israel e o silêncio do Irão. 

“Os jornais e telejornais acabam a citar-se uns aos outros, o que gera uma uniformidade de abordagens responsável pela produção de visões equivocadas da realidade nas áreas de conflito. Cada jornalista e cada veículo de comunicação tem uma visão própria dos factos e eventos. Uma reportagem feita por um jornalista americano é diferente da produzida por um alemão, japonês ou russo. Para reproduzi-la é fundamental contextualizar o veículo e o respectivo profissional para que o leitor, ouvinte ou telespectador possa ter uma noção do que está por detrás da informação”, explica Carlos Castilho. 

O autor não esconde que esta abordagem exige tempo, investigação e equipas multidisciplinares. A questão é que a maioria dos órgãos de comunicação social reduziu drasticamente as suas redacções, na tentativa de conter os custos operacionais em resposta à quebra de receitas publicitárias. Esta estratégia conduziu à segunda grande falha da imprensa: a “baixa utilização das reportagens de investigação, como recurso para dar às pessoas condições de identificar o que é real e o que é marketing político e propagandístico de governos, movimentos políticos e comandantes militares”. 

Para Castilho, a investigação é, por excelência, o método jornalístico que permite alcançar o maior grau possível de objectividade e independência. A sua função é revelar aquilo que os protagonistas de uma guerra procuram ocultar — os antecedentes, o desenvolvimento e as consequências dos acontecimentos — o que a distingue de investigações de natureza criminal, judicial ou científica. 

Contudo, focando-se na actuação da imprensa brasileira, o jornalista considera que a mesma abdicou desta vertente na cobertura das guerras em curso. Em vez disso, optou por reproduzir material de terceiros, limitando-se a adaptações pontuais. “As coberturas em Telavive, Gaza, Teerão e Kiev usaram intensamente depoimentos de moradores e turistas para dar uma cor local ao noticiário. A TV Globo, por exemplo, cobriu a tragédia de Gaza a partir dos seus correspondentes em Londres, Nova Iorque, Londres e Roma. Chegou ao ponto de pôr no ar um correspondente a falar sobre combates no Médio Oriente, tendo ao fundo uma bucólica praça em Nova Iorque”.  

A investigação jornalística é dispendiosa e arriscada — não só em termos de segurança pessoal dos profissionais envolvidos, mas também pelos resultados incertos. É um investimento cujo retorno não está garantido e cuja justificação deve assentar, antes de mais, na “preocupação com a informação pública”, e não nos índices de audiência. Mais uma vez, o “factor financeiro encontra-se na origem das falhas e deficiências” da cobertura noticiosa, sobretudo no que diz respeito ao Médio Oriente. 

"É um desafio que o jornalismo precisa enfrentar para poder cumprir com a sua missão de orientar o público em meio ao caos da desinformação e notícias falsas”, finaliza Castilho.

(Créditos da imagem: Freepik)