A imparcialidade da imprensa e a verdade que passa para o público
“Os veículos de comunicação jornalística têm todo o direito de terem uma posição face aos confusos e complexos eventos políticos que se sucedem actualmente no mundo inteiro, mas não podem induzir o leitor a achar que a informação publicada é imparcial”, começa por dizer Carlos Castilho, no seu mais recente artigo publicado no Observatório de Imprensa do Brasil, com o qual o CPI mantém parceria.
Na opinião do autor, “a imprensa deixou, há tempos, de ser uma observadora isenta do que ocorre no chamado espaço público da sociedade contemporânea”, remetendo para “o episódio envolvendo a rede de televisão Fox News” e o “afastamento da sua principal estrela no noticiário político”.
O jornalista fala de Tucker Carlson, o pivot mais mediático do canal, que foi despedido recentemente, menos de uma semana depois de ter estado envolvido no processo judicial com a Dominion e a cobertura das eleições presidenciais de 2020, nos EUA.
Esta situação sobre Carlson, “escancarou para todos nós o facto de que muitas notícias políticas que recebemos são formatadas para ocultar estratégias ideológicas dentro do fluxo informativo”, considera o autor.
Quanto ao Brasil, Castilho observa que no seu país “ocorre um fenómeno similar só que de forma mais discreta, como foi possível perceber na cobertura das investigações da Lava Jato no período 2014-2020 e mais recentemente, no caso das imagens das manifestações de extrema-direita”, em janeiro, “pela CNN brasileira”. Em ambos os casos “foi nítida a associação dos factos divulgados, a um objectivo político/partidário pré-existente, sem que a imprensa alertasse o público para o enviesamento na apresentação do noticiário”, diz.
“Hoje sabemos que a cobertura jornalística da Lava Jato omitiu factos e ignorou a regra da diversificação de fontes”, diz o autor. Nesse caso, “tanto em telejornais, como na imprensa escrita” não foi dada ao público “uma noção isenta do que estava a ser investigado”, “e agora nas imagens do 8 de janeiro, a CNN não revelou quem lhe passou o material e nem porque ele foi editado para alterar a cronologia dos factos”, afirma.
“Que a imprensa não é imparcial e objectiva, pouca gente discute”, diz Castilho. No entanto, “o que agora passa a ser relevante é o protagonismo proactivo assumido por jornais, revistas, emissoras de radio e de televisão, bem como por espaços online ocupados por jornalistas profissionais”, refere.
Nessa perspectiva, o jornalista considera que o caso de Tucker Carlson, “é emblemático porque a emissora não teve escrúpulos em associar o rótulo jornalístico a uma cobertura factual reconhecida como falsa, até mesmo dentro da redacção da emissora”, sendo este um pivot “que nunca fez segredo da sua militância na extrema-direita trumpista”, e que “admitiu privadamente que eram falsas as suspeitas de fraude nas urnas electrónicas” da empresa Dominion Voting Systems, “que deram a vitória ao democrata Joe Biden sobre o republicano Donald Trump, apoiado pela Fox News”.
O autor recorda que a Dominion processou a Fox pedindo uma indemnização milionária. A empresa estava quase a ganhar a causa quando a Fox News pediu um acordo “para evitar que os seus executivos e jornalistas tivessem que admitir num tribunal, que disseminaram, durante meses, suspeitas fraude no último pleito presidencial nos Estados Unidos. A rede de TV aceitou pagar 787 milhões de dólares para evitar uma situação «vexatória», que custou também a desgraça de Tucker Carlson, como âncora de telejornais”, diz.
Carlos Castilho considera que, “do ponto de vista da comunicação e da opinião pública, o caso da Fox” comprova que “um veículo informativo não só violou o dogma jornalístico da veracidade como ingressou no campo da militância ideológica sem informar a audiência sobre sua decisão”, o que “é grave, porque ao assumir um claro protagonismo político, a Fox espalhou suspeitas que, directa ou indirectamente irão afectar a credibilidade e confiança de outras empresas jornalísticas também envolvidas na cobertura de eleições”.
Na opinião do jornalista, “um jornal, revista, site ou telejornal pode ter uma posição sobre qualquer tema de interesse público, tanto porque a diversidade política e ideológica é um atributo da democracia” e hoje em dia já não existe “o conceito de verdade absoluta e nem da imparcialidade plena”. As posições que tomamos têm a ver com os “diferentes contextos sociais, económicos, políticos, históricos, religiosos e étnicos em que estamos inseridos” e “como indivíduos podemos, inclusive, não revelar nossas opções, quando estamos num ambiente privado”, sustenta.
No entanto, “quando assumimos um protagonismo público, ou quando um veículo da imprensa assume a posição de formador de opiniões, a identificação de propósitos torna-se uma condição sine qua non para o exercício da comunicação social”, considera o autor, acrescentando que se houver omissão “equivale a enganar alguém, delito previsto no famoso artigo 171 do Código Penal brasileiro”, no caso do seu país.
Para Castilho, a imprensa está a perder “a sua aura de neutralidade na política, o que é ruim para ela como negócio, para o jornalismo como actividade socialmente relevante e péssimo para nós, como consumidores de informações”, que são “necessárias para a tomada de decisões individuais e colectivas”, afirma.
A acumulação de “evidências de enviesamento informativo, acelerado pela avalanche informativa, gerada pela internet, faz com que as mentiras e a desinformação tenham pernas muito mais curtas do que imaginávamos até agora. A Fox que o diga, após pagar um preço milionário como reparação pelo facto de ter viciado os seus telespectadores em fake news e na desinformação”, conclui.