Recentemente, “os brasileiros foram surpreendidos ao acederem à página inicial do Google”, começa por referir a jornalista brasileira Natalia Viana, num artigo publicado no The Guardian. Os internautas brasileiros depararam-se, na página de busca do Google, com um link que dizia: “O projecto de lei das notícias falsas pode piorar a sua internet”.

Quem clicou no link foi direccionado para um blogue do Google que criticava o Projecto de Lei 2630, que seria votado no Congresso brasileiro, no dia seguinte.

A página inicial de pesquisa do Google, utilizada por mais de 90% dos 160 milhões de internautas no Brasil, afirmava, também, noutro link, que “o projecto de lei das fake news pode criar confusão sobre o que é verdade e o que é mentira no Brasil”.

“Conhecida como «a lei das notícias falsas», o projecto de lei criticado pela Google aumenta os requisitos de transparência e obriga as redes sociais, mecanismos de busca e serviços de mensagens, a detectar e remover conteúdo ilegal, impondo pesadas multas se não o fizerem. Também obriga as empresas de tecnologia a pagar pelo conteúdo jornalístico utilizado, num esquema de negócios como o adoptado na Austrália”, explica a autora.

“Os críticos argumentaram que o projecto de lei não foi suficientemente debatido na sociedade; no final, a votação foi suspensa – mas não por falta de debate. Uma campanha orquestrada de notícias falsas liderada por muitos dos mesmos influenciadores pró-Bolsonaro que tentaram derrubar as eleições brasileiras – aliaram-se ao Google, Facebook e Tiktok contra a regulamentação e assustaram os internautas ao rotular a lei proposta como «o projecto de lei da censura»”, afirma a jornalista.

Segundo refere Natália Viana, “o jornal Folha de S Paulo noticiou que a estratégia do Google, incluía enviar e-mails aos YouTubers, dizendo que haveria menos dinheiro para investir nos seus canais e pedindo que conversassem com o Congresso” brasileiro.

A jornalista refere que “a gigante da tecnologia também se atrapalhou nos resultados das pesquisas, mostrando com destaque a sua própria publicação no blogue e outros artigos que criticavam o projecto de lei, de acordo com um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro”.

Mas sobre isso, “o Google negou manipular o seu mecanismo de busca e alegou que comprava anúncios como todos os outros. Após ser acusado de propaganda enganosa pelo Ministério da Justiça, retirou o link, mas defendeu-se, dizendo que todos os brasileiros “têm o direito de fazer parte desta conversa”, acrescentando: “estamos comprometidos em comunicar as nossas preocupações sobre o projecto de lei 2630 de forma pública e transparente”, lembra a jornalista.

Segundo a autora, muitos utilizadores relataram que o preenchimento automático da pesquisa também estava a agir de forma estranha, surgindo mensagens que diziam: “a conta pode gerar desinformação online e prejudicar os utilizadores” ou “a conta pode impactar a internet que você conhece”, ou seja, “slogans de marketing anti-regulamentação”, diz Natália.

“Como presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Digital (Ajor), tenho visto o lobby tecnológico ficar cada vez mais agressivo nos últimos meses. Os gigantes da tecnologia passaram muito tempo a conversar com todas as associações de jornalismo – inclusive nós – sobre as suas preocupações. Depois de pesar todos os seus argumentos, a maioria dos players de media, tanto legados, quanto startups digitais, decidiu apoiar a lei. Foi quando as grandes empresas de tecnologia começaram a dizer que não haveria mais dinheiro para dar aos seus programas de jornalismo, semelhante àquilo que disseram aos criadores no YouTube”, conta a autora.

“O «forte armamento» não é mau, apenas, para o relacionamento entre jornalistas e plataformas de tecnologia”. Isto “forneceu uma hipótese para os aliados de Bolsonaro ganharem força novamente, depois de serem o foco de uma grande investigação sobre uma campanha alimentada por desinformação, que levou uma multidão a invadir prédios do governo, em Brasília”, afirma a jornalista. “A campanha de fake news contra a lei – que chegou a alegar que a Bíblia seria censurada – foi liderada pelas mesmas pessoas que lideraram uma campanha de fake news para subverter os resultados eleitorais”, acrescenta.

Natália Viana considera que “este não é um assunto que deve preocupar apenas os brasileiros. O que está a acontecer no meu país, é apenas o último de uma série de eventos que mostram como os gigantes da tecnologia estão preparados para serem mais agressivos, enquanto dezenas de países – da Indonésia à Nigéria – debatem a adopção de uma maior regulamentação tecnológica. No Canadá e na Austrália, o Facebook e o Google chegaram a remover o conteúdo de notícias das suas plataformas para pressionar a indústria de media. Entretanto, parece que abandonaram qualquer tipo de pretensão de não mediar conteúdo”, refere.

A jornalista, diz estar “perplexa” pelo facto dos media e da opinião pública dos EUA não estarem a denunciar e a acompanhar estas acções. Enquanto os congressistas americanos ameaçam bloquear o TikTok, por serum agente estatal chinês, as empresas americanas estão a exercitar os seus músculos em democracias estrangeiras que só querem uma saída para a confusão que a tecnologia criou”, observa.

Afinal, “foi o fracasso dos EUA em regular as suas próprias empresas de tecnologia que permitiu o actual estado do mundo”, no qual um conjunto de empresas controla, efectivamente, o debate público na maioria dos países, com poder sem precedentes para manipular opiniões e atrapalhar os esforços dos legisladores para os regular”, sustenta a autora, segundo a qual, estas empresas “têm o poder de manter ou destruir uma democracia”.

Por tudo isto, Natália Viana, conclui o seu texto, deixando a questão: “agora que «o génio saiu da lamparina», se os cidadãos e políticos americanos não ousarem controlar as suas próprias empresas, quem o fará?”.