Entre todas as dificuldades que o jornalismo enfrenta actualmente, é essencial prestar atenção àquelas que se relacionam com a ligação das pessoas às notícias, defende Richard Fletcher, director de Investigação no Reuters Institute for the Study of Journalism, da Universidade de Oxford.

Para Fletcher, “se pensarmos nos importantes desafios económicos, práticos e políticos com que o jornalismo se debate hoje em dia, […] todos eles requerem não apenas a existência de um público, mas também de uma relação saudável entre o jornalismo e esse público”.

É nesse âmbito que o especialista reflecte sobre três desafios-chave dos media nos dias de hoje e sobre como a inteligência artificial (IA) pode ajudar a resolvê-los.

Como as pessoas chegam às notícias

Os padrões de acesso à informação noticiosa estão a mudar.

Por um lado, os estudos indicam que a consulta de notícias em jornais impressos e na televisão têm vindo a cair ao longo dos anos. Por outro, o consumo de informação através de plataformas digitais, nomeadamente nas redes sociais, está a aumentar rapidamente, especialmente entre os mais novos.

“Apesar dos benefícios do acesso digital às notícias”, estas alterações “parecem ter um grande impacto na forma como as pessoas se relacionam com as notícias”, refere o especialista.

“As pessoas prestam menos atenção à informação, consomem-na menos frequentemente e beneficiam menos dela”, concretiza.

Importa ter consciência de que estas tendências de consumo dificilmente serão revertidas, e que “se calhar a IA se tornará até numa das formas principais de acesso às notícias”.

“Não é difícil imaginar um futuro em que as pessoas pedem aos chatbots de IA que lhes façam um resumo das notícias mais recentes”, atira Fletcher.

Embora os resultados que a IA generativa oferece actualmente nesse campo sejam ainda limitados, e muitas vezes com erros, o mais provável é que os sistemas se vão aperfeiçoando.

“Mas, pessoalmente, estou mais interessado em como será possível usarmos a IA para criar versões e formatos novos que possam ajustar-se melhor ao modo como as pessoas acedem à informação no mundo digital”, refere o investigador, dando exemplos como a criação de sumários a partir dos artigos originais dos jornalistas ou a conversão de texto em áudio (ou vice-versa) para ir ao encontro da forma preferida de consumo de informação de cada pessoa.

Aumentar o interesse nas notícias

A motivação pessoal para a procura e o consumo de notícias, também em declínio nos últimos anos, é outro dos aspectos que têm preocupado os responsáveis no sector dos media.

“Provavelmente, não sabemos o suficiente sobre o que determina o interesse das pessoas nas notícias. Mas eu acredito que existe potencial para usar a IA para ir mais ao encontro das necessidades daqueles que parecem menos interessados”, afirma Richard Fletcher.

Por exemplo, para pessoas que estejam menos familiarizadas com o contexto de assuntos noticiosos mais complexos, a IA generativa pode ser usada para criar versões dos artigos que incluam essa informação, sugere o autor.

Falta de confiança nas notícias

Embora a “atitude negativa das pessoas em relação ao jornalismo” possa nem sempre ser “justificada”, isso não quer dizer que o efeito dessas percepções na sociedade não seja real.

Para Fletcher, a falta de confiança “é o assunto mais difícil de resolver com a IA”, porque em grande parte essa falta de confiança do público é um fenómeno mais geral, dirigido também à política e à sociedade, pelo que os media “não têm controlo directo sobre ele”.

Além disso, alguns estudos mostram que as pessoas consideram que a IA vai tornar o jornalismo menos confiável.

A principal tarefa é “convencer as pessoas de que [a IA] está a ser usada de forma responsável e para seu benefício”.

Isso pode ser feito se houver transparência no uso das tecnologias, através da indicação de que determinado conteúdo foi feito com a ajuda de IA, bem como de explicações sobre como a IA foi usada ou de que o produto final passa sempre por um controlo humano.

Em jeito de conclusão, Richard Fletcher refere que, para si, as soluções de IA descritas são especialmente interessantes e cativantes “porque não têm que ver com o uso da IA para fazer o trabalho dos jornalistas”, mas sim com a introdução de melhorias na forma como o jornalismo se conecta com o público.

(Créditos da imagem: vector juice no Freepik)