A “arquitectura de poder” das grandes empresas tecnológicas e o futuro do jornalismo

As grandes empresas tecnológicas, conhecidas como Big Techs, estão no centro de um debate global sobre o futuro do jornalismo e o equilíbrio de poder no ambiente digital. Num artigo para o Observatório da Imprensa do Brasil, com o qual o CPI mantém uma parceria, a investigadora Kalianny Bezerra faz referência a uma investigação recente da Agência Pública, intitulada A Mão Invisível das Big Techs. A série revelou como empresas como a Google e a Meta recorrem a estratégias de influência política, económica e jurídica para moldar as regras da internet a seu favor. “São reportagens que escancaram práticas de lobby, articulações políticas e estratégias de influência que, em geral, podem passar despercebidas ou permanecer invisíveis ao público”, diz a investigadora.
A série, desenvolvida em parceria com o Centro Latinoamericano de Investigación Periodística (CLIP) e outras quinze organizações internacionais, expõe um complexo sistema de lobby e de articulações políticas que visa travar propostas de regulação que poderiam obrigar estas plataformas a remunerar devidamente os órgãos de comunicação social pelo uso dos seus conteúdos. Segundo o trabalho, trata-se de uma “arquitectura de poder” que ameaça a autonomia e a sustentabilidade do jornalismo profissional.
Como salientou o investigador Christofoletti, a influência das Big Techs manifesta-se também no controlo da publicidade online, que reduz de forma drástica as receitas dos meios, nos algoritmos que privilegiam conteúdos virais em detrimento de informação de qualidade e na dependência tecnológica que limita a autonomia editorial. Soma-se a isto a consolidação de uma " cultura de gratuitidade, que esvazia a remuneração adequada da produção jornalística”.
A investigadora realça que estas pressões não são estáticas: transformam-se e ganham novas camadas à medida que as próprias plataformas desenvolvem soluções mais sofisticadas. O avanço da inteligência artificial generativa é um exemplo. As ferramentas de IA utilizam reportagens e outros textos jornalísticos como base de dados para o treino dos seus modelos, frequentemente sem autorização ou compensação financeira aos autores ou às redacções.
Diversos órgãos de comunicação, em países como o Canadá, Estados Unidos, França, Japão e Brasil, já moveram acções judiciais contra empresas como a Google (criadora do Gemini), a OpenAI (dona do ChatGPT), a Microsoft (responsável pelo Copilot) e a Perplexity, alegando uso indevido dos seus conteúdos.
Acordos entre as partes
Para tentar contornar as acusações, algumas empresas de IA começaram a firmar acordos de licenciamento com determinados meios de comunicação. Um levantamento do Tow Center for Digital Journalism, da Universidade de Columbia, identificou 97 parcerias desse tipo até Fevereiro de 2025. No entanto, segundo o jornalista Matheus Soares, esses contratos tendem a privilegiar grandes grupos mediáticos e publicações em inglês, deixando de fora meios de menor dimensão e outras línguas, o que agrava as desigualdades no sector.
IA e a perda de tráfego nas notícias
A chegada de novos recursos baseados em IA também preocupa o sector. A Google lançou recentemente o Modo IA — versão em português do AI Overviews — que apresenta resumos automáticos de conteúdos jornalísticos no topo dos resultados de pesquisa. Uma investigação do Pew Research Center revelou que, quando esses resumos estão presentes, os utilizadores clicam nas fontes originais em apenas 8% das vezes, comparado com 15% em pesquisas sem resumo. A consequência directa é a diminuição do tráfego para os sites de notícias, com impacto negativo nas receitas publicitárias e nas assinaturas digitais.
“Preciso destacar ainda que os impactos não se limitam à economia da imprensa. O uso indiscriminado de conteúdos jornalísticos por essas tecnologias também afecta o ecossistema da informação. Menos visitas directas, concentração de poder nas mãos das plataformas e algoritmos que definem relevância diminuem a diversidade, a pluralidade e a profundidade das informações que chegam ao público”, frisa a investigadora no seu texto.
Apesar do cenário desafiante, especialistas defendem que há espaço para acção. A procura por novos modelos de relacionamento com o público, o reforço da regulação e a valorização de um jornalismo rigoroso e contextualizado são apontados como caminhos possíveis.
Como sublinha Kalianny Bezerra, “não há soluções fáceis ou únicas, nem um único actor capaz de reverter sozinho o controlo que as grandes empresas de tecnologia exercem”. Contudo, acrescenta, “as estratégias combinadas não podem parar de existir”.
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