O comportamento dos portugueses perante “media” digitais
Todos os anos o Digital News Report, do Reuters Institute for the Study of Journalism, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, ajuda a traçar um retrato mundial da relação do público com a informação noticiosa online.
Portugal faz parte dos 47 mercados mundiais incluídos nesse relatório, sendo o OberCom — Observatório da Comunicação responsável pela recolha e análise dos dados no país.
Paralelamente à publicação do Digital News Report, o OberCom divulga também o seu próprio relatório, dedicado exclusivamente à realidade portuguesa.
Esta é a nona edição do relatório em Portugal. O inquérito deste ano foi aplicado a 2012 participantes, numa amostra representativa da população portuguesa, estratificada por grau de habilitação/escolaridade, além de género, idade e região.
“As leituras, interpretações e conclusões deste documento dizem respeito à realidade portuguesa, sendo feitas comparações internacionais e globais” para enquadrar e contextualizar o consumo de notícias na população portuguesa, lê-se no relatório.
Estes são os principais resultados em Portugal:
O papel da inteligência artificial (IA) no jornalismo
- Entre os inquiridos, “50% declaram ter bastante ou moderado conhecimento sobre a IA, com 38% a declarar saber pouco e 7% nada sobre essa tecnologia”.
- Numa leitura demográfica, aqueles que dizem ter mais conhecimentos sobre a IA são os homens, os mais jovens (até aos 35 anos) e as pessoas com mais habilitações académicas e com rendimentos mais altos.
- Os portugueses estão mais confortáveis (35%) com notícias produzidas por jornalistas em que haja algum recurso à IA do que com notícias feitas por IA com supervisão humana (19%).
- Os portugueses sentem-se mais confortáveis com notícias produzidas pela IA (com supervisão de jornalistas) em temas como a ciência e tecnologia, arte e cultura, e desporto, e em assuntos locais/regionais. O desconforto maior regista-se nos temas políticos ou em casos de crimes.
Importância do jornalismo e satisfação com as notícias
- Quanto aos aspectos mais valorizados nas notícias pelos inquiridos, no topo estão as “notícias que os mantêm actualizados sobre o que está a acontecer” (78%) e “as notícias que ajudam a saber mais sobre diferentes tópicos e acontecimentos” (77%).
- Os aspectos menos valorizados são “o aspecto lúdico das notícias” (50%) e “as notícias que fazem os consumidores sentir-se ligados a outras pessoas na sociedade” (54%).
- É precisamente nos aspectos mais valorizados que os inquiridos admitem que o jornalistas fazem um trabalho melhor.
- Os portugueses que não declaram a sua orientação política ou que são “politicamente não-alinhados” avaliam a cobertura noticiosa como menos importante.
Interesse e confiança nas notícias
- “Em 2024, 51% dos portugueses diz ter interesse por notícias, com apenas 10% a afirmar-se não interessados e 36% a declarar interesse neutro”.
- São os mais velhos, com maior escolaridade e com rendimentos mais elevados que mostram maior interesse pelas notícias.
- As áreas que despertam maiores níveis de interesse são: política, saúde mental/bem-estar e notícias locais. No fundo da tabela, encontram-se o entretenimento, celebridades, lifestyle ou cultura, e humor.
- Os portugueses dizem que o desporto é o tema sobre o qual há mais informação disponível. Pelo contrário, os inquiridos consideram que “alguma ou nenhuma informação” está disponível sobre temas como a saúde mental/bem-estar, as chamadas causas identitárias (como as questões étnicas, de género ou direitos LGBTQ+), a educação e o ambiente/alterações climáticas.
- “Depois de nove anos a figurar como o segundo/terceiro país em 46 estudados onde mais se confia em notícias, em 2024 Portugal cai para o sexto lugar (em 47 países), com 56% dos portugueses a afirmar confiar em notícias”. Em relação a 2015, a queda foi de dez pontos percentuais.
- Estes dados “devem motivar uma reflexão” na academia e na indústria sobre o significado da relação dos portugueses com os média, sugere o OberCom.
- A transparência é o factor mais valorizado na avaliação da confiança nas notícias.
- A confiança nas notícias e o maior interesse por política estão, de forma geral, associados a um maior interesse por notícias — este resultado vai ao encontro de alguns dados internacionais.
Quando se evitam as notícias
- A percentagem de portugueses que evitam as notícias subiu ligeiramente de 2023 (35%) para 2024 (37%). Este fenómeno não é exclusivo de Portugal, “registando-se um consistente aumento do mesmo em praticamente todos os países do centro e sul” da Europa. “Portugal surge, no quadro comparativo europeu, em quarto lugar”, diz o relatório.
- Já a saturação com as notícias aumentou significativamente — mais nove pontos percentuais relativamente a 2023. Entre os inquiridos, 51% concordam ou concordam plenamente com a afirmação “estou saturado com a quantidade de notícias que há hoje em dia” — 58% nas mulheres, 43% nos homens.
Percepções sobre desinformação
- Portugal é dos países cujos cidadãos estão mais preocupados com a distinção entre o que é real e falso na Internet (72%) — comparando com 59% no resultado global nos 47 mercados.
- Em Portugal, os temas sobre os quais os respondentes mais dizem ter encontrado desinformação (os dados são relativos à percepção) é a política (28%), seguida da imigração (21%), economia, inflação e custo de vida (19%), conflito lsrael-Palestina (18%) e guerra na Ucrânia (17%).
Fontes, formatos noticiosos e pagamento de subscrições
- Apenas 16% dos portugueses acedem a notícias directamente no site dos jornais — comparado com 22% no resto do mundo.
- “O país destacase, também, pela maior preferência pelos motores de busca (29%) e pela muito menor apetência para utilização de redes sociais como principal forma de acesso a notícias online”, refere o relatório.
- As notificações móveis para notícias são mais usadas em Portugal (17%) do que no resto do mundo (9%).
- Portugal continua a ser um dos países onde menos se paga por notícias em formato digital (12%) — a média no relatório global é de 17%.
- Entre os que pagam por notícias online, 70% fazem-no de forma contínua.
Vídeos, podcasts e redes sociais
- As percentagens de portugueses que vêem vídeos de notícias é relativamente alta: 81% consomem vídeos curtos (alguns minutos ou menos), 72% vídeos longos, e 70% streams em directo (debates ou notícias de última hora).
- “Um terço dos portugueses (33%) consome vídeos curtos sobre notícias pelo menos quatro a seis vezes/dias por semana”.
- Portugal é um dos países estudados no Digital News Report 2024 em que os inquiridos mais respondem ter ouvido podcasts no mês anterior, estando em quinto lugar (42%) em 47 países, para podcasts de temas gerais.
- Finalmente, no que diz respeito ao acesso a notícias através das redes sociais, o Facebook continua a ser a plataforma mais utilizada para consumo de notícias (35%), aparecendo o WhatsApp em segundo lugar (23%).
- No entanto, o TikTok e o lnstagram têm um alcance muito maior do que Facebook entre os mais jovens.
- “As marcas e jornalistas tradicionais são mais acompanhados pelos portugueses no lnstagram e no X”, diz o relatório.
(Créditos da fotografia: John Schnobrich no Unsplash)