Luís Marques Mendes em jantar-debate no Grémio Literário: “temos que evitar uma recaída”

No início da palestra, Marques Mendes enfatizaria que:
“Vivemos um tempo de incerteza, de angústia, de dificuldades, de impossibilidades, onde muita gente tem legítimas dúvidas se vamos ter sucesso na Europa e no mundo difícil em que estamos mergulhados”.
Elencou, depois, os pontos positivos e as condições de sucesso: o facto de “fazermos parte do núcleo central do projecto europeu”; a nossa “relação privilegiada no triângulo Europa – África – América Latina; o facto de sermos “periféricos em termos europeus, mas já não sermos periféricos à escala global, e no quadro da globalização”.
E prosseguiu:
“Muita gente, a cada passo, diz: mas somos um país pequeno. Precisamos de vencer esse preconceito, esse complexo de país pequeno. Primeiro, porque a Europa e o mundo estão cheios de exemplos de países pequenos que tiveram sucesso. Em segundo lugar, porque à escala europeia, em boa verdade, nós não somos assim tão pequenos. Em população somos o 12º, no quadro da União Europeia, e em território o 13º. Ou seja, não temos razões para ter esse preconceito, esse complexo” .
“No plano económico – como acentuou – precisamos de ter uma única e fortíssima preocupação: ser um país competitivo. E neste plano, é necessário consolidar a mudança de modelo e de paradigma que tem vindo a acentuar-se nos últimos anos: virarmos a nossa economia, cada vez mais, para o exterior - começámos essa orientação e é preciso consolidá-la. Não podemos voltar atrás. É uma tendência a ser aprofundada. Mais ainda quando todos nos orgulhamos, muitas vezes, daquilo que foi feito nos últimos anos em matéria de exportações. De facto, houve uma mudança significativa ao passar, em pouco tempo, de um quadro de exportações que contava 28% ou 29% para o produto nacional, para outro que representa 40% a 41%. Isso é importante, mas há que prosseguir essa orientação, sem voltar à tal zona de conforto.”
Sobre a aposta na economia do conhecimento, Marques Mendes diria mais adiante, citando casos concretos:
“Dou um exemplo: à escala da União Europeia, o número de investigadores relativamente à população, coloca o País entre os mais bem classificados, em terceiro lugar, juntamente com a Suécia; mas, se compararmos o número de investigadores no interior das empresas, verifica-se que estamos na cauda da Europa. Ora, precisamos que os nossos cientistas - esse potencial de conhecimento que existe no nosso sistema científico e tecnológico - ajudem as empresas a inovar, a mudar. E isto não é conversa de circunstância”.
Defendeu, a seguir, os desafios da coesão social e territorial:
“É muito importante que, a par deste discurso económico, saibamos ter sempre presente a preocupação e a prioridade da coesão social, defendendo, por um lado, o Estado Social - uma conquista da nossa civilização – e por outro, reformando esse mesmo Estado Social, como forma de protegê-lo. Temos problemas sérios de exclusão vindos do passado, e problemas não menos sérios de nova exclusão, fruto da crise dos últimos anos”.
Em matéria da coesão territorial, Marques Mendes considerou o País “cada vez mais desigual”, devido à “desertificação e a uma excessiva massificação do litoral”.
Noutro ponto da sua intervenção, Marques Mendes abordou a superação da crise e a sustentabilidade financeira, lembrando, designadamente, que precisamos de “um Estado diferente daquilo que é, ou seja, não se trata da questão recorrente do Estado mínimo, mas que seja um Estado mais eficiente, provavelmente mais pequeno, mas capaz de nos permitir viver de acordo com as possibilidades. Sem exageros, nem excessos”.
Quanto à lógica da sustentabilidade financeira, “ um princípio fundamental, que actualmente no sector não-público é algo de óbvio” (…) , teremos de avaliar, de forma permanente e rigorosa, as políticas públicas. Não é por serem públicas que as políticas do Estado devem deixar de ser avaliadas, antes pelo contrário. O critério de avaliação deve ser tão ou mais exigente, por uma questão de transparência, de escrutínio, e de boa aplicação do dinheiro que é de todos. (…) O Estado precisa de seguir as regras existentes nas empresas, apresentando resultados”.
Marques Mendes defendeu, depois, “a necessidade de uma política externa mais afirmativa e menos defensiva”:
“Urge debater mais a Europa cá dentro e sermos mais afirmativos lá fora, nas instâncias europeias. (…). O investimento que fazemos no espaço lusófono é curto, no plano político e no plano financeiro. Basta ver este pormenor: de um modo geral, o pessoal político que está à frente da Secretaria de Estado da Cooperação, não é integrado por figuras de primeira grandeza” .
Marques Mendes falou, em seguida, de um objectivo diferente, de natureza instrumental, ou seja, recriar a contratualização política em Portugal, fazendo pactos, convergências e entendimentos entre os responsáveis políticos”.
E observou: “se repararem, perdeu-se em Portugal, nos últimos anos, essa cultura de compromisso. Hoje, para um responsável político, parece que mostrar força é dizer não… Eu acho que hoje, coragem, é dizer que sim a alguns entendimentos essenciais (…). Já houve tempo em que a coragem era assumir divergência; hoje, a coragem é convergir. O País não pode viver esta aventura irresponsável, de, ao mudarem os governos, mudarem as políticas - isto é um desperdício completo e inaceitável”.
Citou, entretanto, exemplos concretos de mudanças na Segurança Social e na Educação, com efeitos e consequências geracionais.E afirmou:
“Tenho muita esperança que o novo Presidente da República, acabado de ser eleito, possa ter sucesso em recriar essa cultura de entendimentos e de convergências.”
Marques Mendes elencou, a concluir, os cinco motivos pelos quais, sendo embora um optimista, se manifesta apreensivo:
- “Pelo clima de incerteza que se vive em toda a Europa…”
- “Portugal vive em campanha eleitoral desde meados de 2014. Já vamos quase em ano e meio, e isto não é aceitável…”
- “Não podemos assustar e afugentar o investimento estrangeiro, porque isso paga-se caro. Acho que o Governo anterior andou mal no processo de concessão dos transportes. Mas, agora, desfaz-se tudo, o que será perturbador para um investidor estrangeiro, para quem Portugal é sempre o mesmo, independentemente do Governo em funções”.
- “Tenho muita dificuldade em perceber que um País acabado de sair de um programa de resgate, com o qual ganhou credibilidade nas instâncias europeias, e junto dos mercados financeiros, queira, de repente, dar um pontapé nessa mesma credibilidade”.
- “Como tenho, também, dificuldade em perceber que se queira, rapidamente, retomar tudo aquilo que do ponto de vista social é defensável, mas que do ponto de vista financeiro e orçamental pode ter consequências sérias. Mandava o bom senso e o realismo que, num tempo de incerteza, houvesse prudência e equilíbrio”.