O prémio atribuido de Luis de Vega, segundo do júri, é "uma homenagem e um reconhecimento a todos os profissionais espanhóis que arriscaram e estão a arriscar a vida na Ucrânia para denunciar o horror da guerra".

A Asociación de la Prensa de Madrid, com a qual o CPI mantém um acordo de parceria, publicou uma extensa entrevista com o jornalista, realizada por Xose Martín, da qual reproduzimos o essencial.

Perguntado sobre o que significava para si o facto de a APM o considerar o Melhor Jornalista do Ano de 2022, respondeu:

“Os prémios em casa têm um sabor muito bom. Que uma instituição com mais de cem anos tenha dado conta do meu trabalho, num ano como este, é motivo de orgulho. Nunca se trabalha a pensar nos prémios, mas sim que o nosso trabalho ou coberturas como a guerra na Ucrânia continuem a abrir as portas para novas coberturas ou, pelo menos, para continuar a trabalhar. Por outro lado, destacando-se o facto de o prémio ser atribuído por colegas, é uma enorme felicidade e encoraja a regressar à Ucrânia, pela quinta vez, para continuar a cobertura”.

A decisão do júri destaca a sua camaradagem, a sua qualidade humana, bem como o facto de ser um jornalista incansável e polivalente. Sente-se representado nessas características?

“Quem já fez coberturas como a Ucrânia ou uma crise humanitária sabe que existe um traço de companheirismo e camaradagem que muitas vezes não vem à tona. Por exemplo, quando cobria a crise da canoa no norte do Senegal, a bolsa da minha câmara foi roubada. Levaram o meu dinheiro, os meus cartões e a minha credencial... Tudo menos o meu passaporte, que não cabia. Fiquei a trabalhar no terreno por mais dez ou quinze dias graças a um colega do El País. Nessa altura eu trabalhava no ABC e o dinheiro que ele tinha dividia comigo. Partilhou o quarto, o motorista... Isso pode ser considerado um anacronismo que não costuma vir à tona, mas foi o que sucedeu. Vou lembrar-me do gesto desse colega enquanto for vivo”.

E considerou também que “câmara ajudou muitas vezes a aproximar-me das histórias. É uma ferramenta com a qual não só capto imagens, que depois tento adicionar ao meu texto, mas que me ajudou muitas vezes a me aproximar das histórias e obter depoimentos ou aspectos de uma reportagem que eu não teria sido capaz de captar se estivesse à distância de uma caneta”.

“Um terceiro aspecto é que temos que assumir a diferença entre o novo e o antigo jornalismo. A revolução digital obriga-nos a não olhar tanto para a edição em papel e a tentar adaptar-nos aos novos formatos. Da Ucrânia fiz de tudo, desde podcasts a vídeos, transmissões para a estação de rádio do Grupo e tentei ser mais activo nas redes sociais”.

Para além do que foi referido pelo júri, que outras qualidades não podem faltar a um profissional que se dedica ao jornalismo internacional?

“Para mim existe uma base que vai além do jornalismo internacional. Isso ainda é rodeado por um certo romantismo que pode ser justificado pelos filmes, pela existência do termo “repórter de guerra” de que não gosto particularmente, mas, a base é a curiosidade. A pessoa tem que ser curiosa. Isso vale tanto para o jornalismo hiperlocal quanto para o jornalismo que cobre a guerra na Ucrânia”.

“A cobertura internacional implica um preço elevado a nível pessoal e familiar”.

“Se me perguntarem que características deve ter um jornalista que faz coberturas internacionais, infelizmente tenho de vos dizer que a família sofre, pela distância, porque são coberturas mais longas, porque muitas vezes estão rodeados de incertezas.... A reportagem internacional implica um preço elevado a nível pessoal e familiar. A minha mulher é psicóloga e, praticamente, não exerceu durante muitos anos por causa da minha profissão”.

Recebeu o prémio pela sua cobertura da guerra ucraniana. Quando a Rússia decidiu invadir o país, já estava em Kyiv. O que estava lá fazer?

“Foi uma grande surpresa. Viajei com toda a tranquilidade do mundo em coordenação com a minha sócia María Sahuquillo, e escrever algumas histórias que servissem para ilustrar a "tensão" que existia no plano internacional, com a Ucrânia alarmada com a presença das tropas russas no outro lado da fronteira. Havia algumas provocações, mas a população não esperava uma invasão iminente, então em poucas horas a minha cobertura foi totalmente alterada. Tornou-se uma cobertura agitada, muito interessante.... Havia uma incerteza se teríamos ou não de sair de Kyiv”.

Começamos a ter a percepção das diferentes possibilidades de sobrevivência sem ter de arriscar as nossas vidas. Começamos a avaliar formas de manter a cobertura. Jornalisticamente foi bom ver tudo o que estava a acontecer e estarmos no lugar onde todos tinham os olhos postos”.

No seu caso, que cobriu outros conflitos armados e humanitários, vê diferenças na guerra na Ucrânia em comparação com outras coberturas?

“Comparado com o Afeganistão, que é um conflito que já dura há meio século, o caso da Ucrânia não é só ter sido invadida pela Rússia, mas também porque as consequências dessa invasão estarem a afectar a alimentação dos países mais pobres, por o país ser um dos principais celeiros do mundo e também pelo impacto no próprio mercado de energia e no nosso aquecimento... A guerra na Ucrânia foi um terremoto mundial, ao contrário da guerra no Afeganistão, que é muito interessante de cobrir, mas cujas consequências importam menos para as pessoas”.

“No trabalho, há algo muito interessante e é a possibilidade de poder viajar de comboio em pleno conflito. A empresa ferroviária nacional, que é a principal empregadora do país com 231 mil trabalhadores, transformou-se numa espécie de exército paralelo que continua a trabalhar e a recuperar as linhas em poucos dias. Isso permite-nos fazer viagens baratas e acessíveis”.

No seu caso, pertence aos quadros do El País, mas há muitos outros colegas que são freelancers. Como é que a precariedade, hoje muito presente, afectou o jornalismo internacional?

“Enviar um jornalista para a Ucrânia é muito mais caro do que mandá-lo para o Estádio Santiago Bernabéu ou para o Congresso dos Deputados. Por um lado, devemos "aplaudir" que a guerra na Ucrânia tenha feito com que os media dessem mais atenção à agenda internacional, mas, por outro, é difícil, neste momento, que a cobertura seja longa e intensa devido ao custo económico que acarreta”.

“Quem ambiciona ser um grande meio de comunicação não deve esquecer a cobertura internacional. No caso do El País, onde estou há quase quatro anos, cobrimos o conflito na Ucrânia com cerca de doze repórteres, permanentemente naquele país, e com uma cobertura muito boa nos países limítrofes. Vivemos num mundo cada vez mais globalizado o que permite cobrir as notícias de Madrid, por telefone ou pelas redes sociais, mas as novas tecnologias e a globalização do mundo não devem impedir que, os jornalistas e os órgãos de informação se esqueçam do básico: estar no local e ir além da última hora”.

Você sabe que existem colegas freelance que cobrem a guerra na Ucrânia em condições precárias?

“Sim, dos cerca de 14 mil jornalistas credenciados de todo o mundo, muitos deles são freelancers e alguns com alto grau de precariedade. Ou seja, é o impulso vocacional que os leva a cobrir esta guerra. Vão sem ter uma série de colaborações fechadas, sem ter um meio que os vá publicar, sem seguro, e alguns deles são profissionais muito valiosos, com muita experiência. Sofremos e ficamos tristes ao ver que há jornalistas com trabalhos brutais, mas são obrigados a voltar porque não tem quem compre o que produzem”.

Como foi o seu início na profissão?

“Estudei na Pontifícia Universidade de Salamanca. No primeiro ano, por pressão familiar, estudei Jornalismo pela manhã e Filologia Inglesa à tarde. Um dia, tomei a decisão de que queria continuar só no Jornalismo. O que eu mais gostava era da imprensa, mas comecei a interessar-me pelo fotojornalismo. Essa foi uma mudança que sofri graças a um curso que fiz na Sociedade Fotográfica de Salamanca, onde comecei a ter contacto com a fotografia. Ao mesmo tempo, na faculdade, fiz uma disciplina electiva de fotojornalismo. Foi aí que comecei a forjar o que faço agora: sonhar ser ou próprio fazer o texto e a fotografia”.

Para um jornalista que se quer dedicar à informação internacional, como é o acesso à profissão jornalística? O que recomenda para quem está a frequentar um curso de Jornalismo?

“O acesso é complicado. Os conflitos estão mais acessíveis, mas o mercado está em frangalhos. É uma época em que temos mais órgãos de informação graças à globalização, as viagens ficaram mais baratas, as novas tecnologias permitem fazer um directo de quase qualquer lugar, mas, ao mesmo tempo, a crise dos media dificulta a compra de crónicas, a realização de directos e de bons relatórios aos profissionais que estão no terreno”.

“Temos de entender, que um comentarista não pode valer o dobro do um repórter na Ucrânia. Se ir a um estúdio como apresentador de talk show é valorizado, por que é que o trabalho de um repórter que arrisca a vida a contar o que está a acontecer na Ucrânia é menos valorizado? O que um comentarista diz não pode valer o dobro daquilo que um repórter da Ucrânia nos conta directamente da Ucrânia. Estamos perante um problema de mercado sério e complicado”.

Diante desse cenário que descreve, o que recomenda a um aluno que se queira dedicar à informação internacional?

“À primeira vista, pode ser um pouco kamikaze. Não vai ser fácil, mas nunca o foi. Tem que ser muito persistente, bater a muitas portas. O ideal é ver onde existe uma lacuna para preenchê-la com o seu trabalho. Neste momento existem canais de televisão internacionais, como Deutsche Welle, France 24 ou a BBC, que têm programas de notícias e consomem material em espanhol. Deve tentar fazer algo diferente do que outros jornalistas estão a fazer. Isso acrescenta valor. De qualquer forma, é difícil devido à situação. Aconselharia tentar ser multimédia - o valor acrescentado da multimídia é importante -, não pare de lutar pelos seus sonhos. As portas nunca nos foram abertas à primeira tentativa”.

Além de Luis de Vega, vão ser homenageados na cerimónia de entrega de Prémios APM de Jornalismo 2022, no próximo dia 16 de Fevereiro:

  • José Antonio Martínez Soler, APM Honor Award 2022, que é concedido em reconhecimento a uma vida inteira de trabalho profissional.
  • Laura de Chiclana, Prémio APM para Jovem Jornalista do Ano 2022.
  • Nieves Herrero e Félix Madero, Prêmio APM de Jornalismo Especializado em Madrid 2022, que falarão em nome dos vencedores.

Ana García Lozano, membro do Conselho de Administração da APM, apresentará a cerimónia

O evento será encerrado com uma apresentação musical de solidariedade e apoio ao povo ucraniano.

(Foto de Luis de Vega em Irpín em 5 de Marzo de 2022. Autor: Nico Castellano)