No Festival de l’info locale, em Nantes, editores e jornalistas apresentaram projectos inovadores para revitalizar o jornalismo de proximidade. No final de Setembro, dezenas de jornalistas marcaram presença na 7.ª edição do Festival de l’info locale, um encontro anual dedicado ao futuro do jornalismo local. 

O programa deste ano destacou temas como a cobertura das eleições autárquicas, o uso prático da inteligência artificial (IA) nas redacções, novas formas de envolvimento presencial com o público e modelos de negócio sustentáveis para a imprensa regional. 

Abordar as eleições locais 

O Mediacités, plataforma de jornalismo de investigação local com redacções em várias cidades francesas, apresentou o seu Radar, um projecto de longo prazo iniciado em 2020 que acompanha as promessas eleitorais dos autarcas ao longo de todo o mandato. 

“Decidimos seleccionar cada uma das promessas de campanha dos autarcas eleitos e criar uma minipágina para cada uma. Desde então, temos monitorizado estas promessas, avaliando o que foi alcançado e o que não foi”, disse Benjamin Peyrel, editor-chefe do Mediacités

Em Toulouse, por exemplo, o presidente da câmara fez 299 promessas nas eleições de 2020. Até agora, apenas 34 foram cumpridas, 32 abandonadas e as restantes continuam em curso. Cada avaliação vem acompanhada de análise jornalística, contexto e ligações para reportagens relevantes sobre o tema. 

O Radar é de acesso gratuito, uma decisão deliberada, segundo Peyrel: 
“[As eleições locais] são uma questão de cidadania e democracia, por isso decidimos que todos devem poder ver o que foi prometido e o que foi realmente feito.” 

O projecto permite acompanhar a governação em tempo real e garante, para as próximas eleições de 2026, um arquivo de seis anos de trabalho contínuo. 

O contacto directo com o público 

O jornal belga L’Avenir também optou por uma abordagem de proximidade. No ano anterior às eleições autárquicas de 2024, a redacção lançou o projecto L’Avenir, c’est votre voix (“L’Avenir, é a tua voz”), montando uma caravana que percorreu 12 cidades ao longo de um ano. 

Em cada local, os jornalistas conversaram pessoalmente com os habitantes sobre temas que afectam o quotidiano: creches, transportes, segurança, habitação. “Tentámos focar-nos em assuntos que falassem directamente ao dia-a-dia das pessoas, sem cair em clichés”, explicou Frédéric Wéry, jornalista do L’Avenir. “A ideia era ir ao encontro dos moradores onde eles estão, para ir além da conversa online”, disse. “Queríamos chegar às pessoas que normalmente evitariam as notícias.” 

Cada encontro resultou num artigo de várias páginas com entrevistas, análises e comentários dos cidadãos. O projecto exigiu recursos e planeamento: “Nem sempre havia filas à porta da caravana”, admite Wéry. “Tínhamos de dar o primeiro passo e abordar as pessoas nas praças.” 

O resultado foi uma cobertura eleitoral centrada nas vozes da comunidade, em detrimento de comentários online unidimensionais. 

O poder económico da imprensa local 

Com o declínio da publicidade tradicional, muitos painéis do festival centraram-se em novos modelos de receitas. Ronan Leclerc, director de media do francês Le Télégramme, defendeu que os jornais regionais precisam de comunicar melhor o seu valor junto das empresas locais. 

“Não temos o poder de marketing das grandes plataformas, mas os jornais locais e regionais ainda são um meio de comunicação incrivelmente poderoso para as empresas locais”, disse. “Os nossos anúncios impulsionam decisões de compra reais.” 

Destacou investigações que mostram que os anúncios impressos nos meios de comunicação locais estão entre as formas mais eficazes para os anunciantes alcançarem públicos atentos.  

“Um euro investido em publicidade na [imprensa local] gera, em média, 5,70 euros de receitas”, diz Leclerc. “A imprensa diária local é o segundo meio de comunicação com maior envolvimento publicitário, apenas atrás do cinema. Isto faz sentido porque no cinema é-se um público cativo e não se pode saltar os anúncios. E o mesmo acontece com a imprensa: quando as pessoas se sentam para ler um jornal, estão focadas. Isto faz com que seja um meio de publicidade de altíssimo desempenho.” 

Questionar candidatos sobre o futuro 

Outra ideia veio do estúdio Design Friction, que propôs aos repórteres repensar o formato das entrevistas políticas. Em vez de questões convencionais, sugerem cenários hipotéticos que forçam os candidatos a pensar a longo prazo: “Se a cidade tivesse subitamente um excedente de 30 milhões de euros, como o gastaria?” ou “Estamos em 2040 e a cidade enfrenta a sua quinta onda de calor consecutiva de 50 °C — qual é o vosso plano?” 

Este tipo de abordagem, dizem, ajuda a quebrar discursos ensaiados e promove conversas mais criativas e construtivas sobre o futuro das cidades. 

Revitalizar os arquivos 

O italiano L’Eco di Bergamo partilhou como a IA pode reanimar o património de um jornal. Durante quatro meses, uma equipa treinou algoritmos para identificar e catalogar mais de 70 anos de obituários. O resultado: uma base de dados com 320 mil registos pesquisáveis, aberta aos leitores, que podem também adicionar memórias ou notas pessoais. 

“É como se tivesse sido aberto um baú de tesouros de memórias da nossa província”, disse a jornalista Daniela Taiocchi, líder do projecto. Além de preservar memórias, a base de dados tornou-se uma ferramenta para novas reportagens e um símbolo de identidade comunitária. 

Durante a pandemia de 2020, Bergamo foi uma das cidades europeias mais afectadas, e os obituários chegaram a ocupar treze páginas por dia. “Durante os dias mais sombrios da pandemia, os obituários [em L’Eco di Bergamo] passaram de duas páginas e meia por dia para treze páginas por dia”, disse Taiocchi. Num contexto como este, ela afirma que o projecto é mais do que uma simples base de dados. É um “guardião da memória” para os habitantes da cidade.

(Créditos da imagem: imagem retirada do site do Reuters Institute)