Desertos de notícias diminuem em Portugal mas desigualdades regionais mantêm-se
O relatório “Desertos de Notícias Europa 2025”, recentemente publicado pelo Labcom - Unidade de Investigação em Ciências da Comunicação da Universidade da Beira Interior (UBI), revela um crescimento dos meios digitais e a redução dos desertos de notícias. Contudo, deixa um alerta para desigualdades regionais e riscos democráticos.
Portugal tem, pela primeira vez, mais jornais digitais do que impressos, mas continua a enfrentar profundas desigualdades regionais no acesso à informação, sobretudo no interior do país. O estudo, coordenado por Giovanni Ramos, Pedro Jerónimo, Luísa Torre e Inês Salvador, confirma que, apesar da expansão digital, as regiões do interior permanecem em desvantagem, num contexto em que a falta de cobertura noticiosa local se associa a fenómenos de desinformação e fragilidade democrática.
Actualmente, Portugal conta com um total de 891 meios regionais: 409 meios online, face a 399 impressos e 263 rádios regionais. Contudo, a maioria destas iniciativas concentra-se nas áreas metropolitanas de Lisboa, Porto e Coimbra, reforçando a tendência de centralização mediática e acentuando o contraste com Trás-os-Montes, Beira Interior e Alentejo, onde a escassez de órgãos de comunicação social continua a ser evidente.
O relatório identifica os concelhos que permanecem sem órgãos de comunicação locais, os que entraram recentemente nessa condição e os que estão em risco, devido à redução da actividade jornalística.
Em comparação com o relatório de 2022, os resultados mostram uma ligeira melhoria: os desertos totais (sem qualquer produção regular de noticiário local) diminuíram de 54 para 45 concelhos (14,61%), embora os semi-desertos (apenas com produção esporádica ou ocasional de informação) tenham aumentado de 24 para 38 (12,34%).
Além destes, 87 concelhos (28,25%) estão ameaçados, por dependerem de um único meio de comunicação, e 171 concelhos (55,52%) registam algum tipo de problema na cobertura informativa.
Interior em desvantagem
A ausência de meios é mais acentuada no interior, em especial no Alentejo e em Trás-os-Montes. O Alto Alentejo tem apenas nove meios para 103 mil habitantes, enquanto o Alto Tâmega apresenta 15 meios para 78 mil habitantes, o melhor rácio per capita do país.
Em contraste, as áreas metropolitanas de Lisboa, Porto e Setúbal registam quase plena cobertura informativa. A Grande Lisboa não apresenta nenhum deserto ou semi-deserto, sendo apenas a Amadora classificada como concelho ameaçado.
O domínio do digital
Para os investigadores, o digital afirma-se como o principal suporte informativo, mas com limitações na frequência e qualidade da produção noticiosa. “Persistem desigualdades territoriais significativas, com concentração de meios em regiões urbanas e litoral, e fragilidade acentuada no interior”, referem os autores do estudo.
Apesar da estabilidade global, o relatório alerta para a vulnerabilidade dos meios locais, que enfrentam dificuldades de financiamento e escassez de profissionais, factores que limitam a diversidade e a regularidade da informação.
Os riscos dos desertos informativos
A segunda parte do relatório analisa as implicações democráticas dos desertos de notícias, associando a falta de jornalismo local ao aumento da desinformação e do populismo. “Os desertos de notícias surgem em regiões distantes dos grandes centros, com baixa actividade económica, onde os antigos jornais deixaram de ser sustentáveis e onde o mercado não atrai novos projectos”, lê-se no documento.
Esta ausência de cobertura cria terreno fértil para a desinformação, amplificada por algoritmos das plataformas digitais, que privilegiam popularidade e interacção em detrimento da verificação e do rigor.
“A emergência de desertos de notícias torna-se particularmente preocupante num contexto de disseminação rápida de desinformação nas redes sociais digitais, frequentemente sem qualquer filtragem jornalística”, alertam os investigadores.
Os autores concluem que as regiões sem cobertura noticiosa tendem a registar maiores níveis de abstenção eleitoral e de erosão democrática, observando ainda que a dependência excessiva de fontes oficiais agrava a fragilidade da esfera pública local.
Apesar do panorama desigual, o estudo sublinha que reforçar os meios de comunicação locais é uma estratégia eficaz contra a desinformação e essencial para o fortalecimento da cidadania informativa.
O LabCom defende políticas públicas de apoio ao jornalismo de proximidade, a criação de modelos cooperativos de media locais e o investimento em literacia mediática como instrumentos para garantir coerência territorial na informação.
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