A engrenagem noticiosa que constrói a realidade mediática e social

Um texto publicado no Observatório da Imprensa do Brasil – com o qual o CPI mantém uma parceria – analisa o papel dos meios de comunicação na construção da realidade social, sustentando que a imprensa não é um “espelho do real”, mas sim um agente activo na sua construção e manipulação. “O processo de manipulação começa muito antes de a notícia chegar ao público, inicia-se na selecção do que será ou não noticiado”, defende Francisco Fernandes Ladeira, doutorado em Geografia e especialista em Jornalismo.
O autor faz referência ao jornalista e pensador brasileiro Perseu Abramo, afirmando que, de acordo com este, “o primeiro e mais importante padrão de manipulação é a ocultação”. A imprensa decide o que será ou não considerado um “facto jornalístico”, e, ao fazê-lo, também define o que será ignorado ou tornado invisível. Um acontecimento que não é noticiado simplesmente “não existe” para o público, sendo apagado do imaginário colectivo.
Mesmo dentro dos eventos que são noticiados existe, para Francisco Fernandes Ladeira, um segundo tipo de manipulação: a fragmentação. “A notícia é apresentada como um estilhaço desconectado, um episódio isolado, sem as suas causas profundas, contextos históricos ou consequências previsíveis. O público recebe peças soltas de um quebra-cabeças que nunca poderá ser montado”.
O terceiro padrão prende-se com uma subversão da hierarquia dos elementos noticiados. O acessório transforma-se em essencial, enquanto o fundamental é relegado a um plano secundário. " A versão do facto substitui o facto em si. A linguagem, carregada de adjectivos e enquadramentos específicos, modela a percepção, direccionando o olhar do receptor para uma única perspectiva, apresentada como a única possível”.
A combinação destes três elementos conduz ao quarto e último padrão, considerado o “mais poderoso”, a indução. Através dele, o público deixa de ser estimulado a pensar criticamente e passa a ser conduzido a aceitar conclusões prontas. “É induzido a ver o mundo de uma maneira específica, a consumir uma realidade artificialmente inventada, a agir com base não no que aconteceu, mas na simulação do acontecido que lhe foi apresentada”, considera o autor.
O texto também evoca o filósofo Jean Baudrillard, para quem os meios de comunicação deixam de apenas recortar a realidade: passam a produzi-la. “A televisão e os jornais tornam-se simulacros, e a comunicação esgota-se na encenação de si mesma. A avalanche instantânea de informações reduz o tempo para a reflexão, desconectando-nos da dimensão histórica dos acontecimentos”.
Por fim, o texto conclui que a manipulação da informação não reside apenas na forma como o público reage às notícias, mas na origem e construção dessas mesmas notícias. Desde a escolha das fontes, passando pelo tratamento dado à informação, vocabulário e enquadramento adoptado. Francisco Fernandes Ladeira considera que “reconhecer esta engrenagem é o primeiro passo para exigir uma imprensa mais transparente e para consumir notícias de forma mais crítica e menos ingénua”.
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