Medidas para proteger a independência dos “media” públicos

Os Repórteres Sem Fronteiras (RSF) lançaram o relatório “Pressões sobre os Media Públicos: Um Teste de Fogo para as Democracias Europeias”, a partir do qual alertam para os múltiplos desafios enfrentados pelos serviços audiovisuais públicos na União Europeia.
Em vésperas da entrada em vigor do novo Regulamento Europeu sobre a Liberdade de Imprensa (EMFA), a organização sublinha que muitos destes meios enfrentam pressões políticas, económicas e tecnológicas, ao mesmo tempo que se debatem com uma crescente crise de confiança por parte do público.
“Os meios de comunicação públicos na Europa estão no epicentro de várias crises”, afirmam os RSF. “Uma questão económica, uma vez que o seu financiamento através de royalties, verbas fiscais ou orçamentos é regularmente questionado; uma questão tecnológica, devido ao impacto das plataformas digitais na relação com a informação; e uma questão geopolítica, pois podem facilmente tornar-se porta-vozes de governos, como em Itália, ou instrumentos de propaganda de poder, como na Hungria. Por fim, os media audiovisuais europeus enfrentam também uma crise de confiança, gerando tensões em torno da sua falta de independência e supostos enviesamentos”.
O relatório, baseado num inquérito conduzido nos 27 Estados-Membros da UE, além do Reino Unido e da Suíça, identifica uma série de ameaças à independência editorial e funcional destes meios — precisamente as áreas que o novo artigo 5.º do EMFA procura proteger.
De acordo com o relatório, em mais de metade dos países analisados, os participantes consideram que os órgãos de comunicação públicos estão sob pressão. Para 55,17% dos inquiridos, essa pressão é claramente política — evidenciada por interferências nas nomeações de direcções ou mudanças repentinas na liderança editorial. Cerca de 31% dos participantes conhecem casos de demissões de jornalistas na sequência de interferência política; 14% relatam casos de suspensão de jornalistas pelos mesmos motivos.
Apesar das ameaças, a independência editorial é ainda considerada elevada ou muito elevada em 58,6% dos países.
Onze media públicos de oito países aderiram já à Iniciativa de Confiança no Jornalismo (JTI), promovida pelos RSF, um padrão internacional de transparência e responsabilidade editorial.
A questão do financiamento
O financiamento continua a ser uma das maiores vulnerabilidades identificadas. Em vários países, incluindo Portugal, Espanha e Itália, os media públicos são frequentemente criticados pelos custos elevados, especialmente em contextos de austeridade. No entanto, o mesmo acontece em países com melhor saúde económica, como a Suíça ou a Alemanha.
O imposto audiovisual, ainda em vigor em 10 países da UE, é apontado como um alvo político fácil, muitas vezes eliminado por razões populistas. Dados da União Europeia de Radiodifusão (UER) indicam que, quando este imposto é substituído por dotações orçamentais, os orçamentos caem em média 9%, contrastando com aumentos quando há reformas (+14%) ou substituição por impostos específicos (+9%).
Recomendações dos RSF
A organização propõe uma série de medidas concretas para garantir a sustentabilidade, independência e relevância cívica dos media públicos:
- Blindagem da independência editorial, com procedimentos transparentes e participação da sociedade civil na nomeação de dirigentes;
- Desenvolvimento, pelos reguladores europeus, de práticas comuns de monitorização do pluralismo interno;
- Criação de um organismo financeiro independente para avaliar as necessidades reais de financiamento, associado a planos plurianuais de sustentabilidade;
- Estudo de um sistema de financiamento alternativo, como um imposto específico sobre plataformas digitais;
- Promoção de iniciativas de abertura ao público, incluindo um “Festival dos Media” no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, celebrado a 3 de Maio;
- Lançamento de um órgão europeu de comunicação externo, com vista a garantir a sobrevivência de plataformas como a Rádio Europa Livre/Rádio Liberdade, em articulação com outros meios europeus.
“A independência dos media públicos não é apenas uma questão editorial. É um dos pilares de qualquer democracia funcional”, conclui a organização, sublinhando que a entrada em vigor do Regulamento Europeu sobre a Liberdade de Imprensa representa “uma consagração dos princípios democráticos”, mas também um teste decisivo à sua aplicação prática.
(Créditos da imagem: Unsplash)