A reconfiguração do negócio dos media perante as transformações no sector

Um texto publicado nos Cuadernos de Periodistas - editados pela Asociación de La Prensa de Madrid (APM), com a qual o CPI mantém um acordo de parceria - dá a conhecer um dado marcante sobre a transformação em curso no sector dos media no seguimento de um relatório da Associação Mundial de Editores de Notícias (WAN-IFRA): pela primeira vez desde o início do inquérito, as edições impressas deixaram de representar a maioria da receita dos jornais a nível global. Actualmente, apenas 45% da receita total advém do papel, somando vendas de exemplares, assinaturas e publicidade.
Em contraste, a receita digital continua a crescer, representando agora 31% do total, um aumento de 7% em relação ao ano anterior, impulsionado por produtos como newsletters, podcasts e assinaturas digitais. Estes números evidenciam uma reconfiguração da indústria, onde a diversificação de fontes de receita torna-se cada vez mais determinante, reflectindo a necessidade de adaptação dos media às novas dinâmicas de consumo de informação.
Um estudo conduzido pelo The Verge concluiu que o futuro da internet aponta para comunidades mais pequenas e com propósitos bem definidos. A investigação, que envolveu mais de dois mil adultos norte-americanos, mostra que os utilizadores procuram, acima de tudo, autenticidade e relações digitais mais significativas: “o poder está a voltar para o consumidor. Os consumidores anseiam por comunidade, mas nos seus próprios termos, procurando ligações mais profundas e significativas com aqueles que realmente importam (…). A autenticidade está no centro de tudo, apoiada por uma base de segurança. O futuro da comunidade é pessoal, intencional e construído com base na confiança”.
Neste novo cenário, as grandes plataformas perdem confiança, enquanto as experiências digitais personalizadas ganham espaço. Apesar do avanço da inteligência artificial, o estudo sublinha que a ligação humana continua central na construção de comunidades digitais e que os utilizadores valorizam cada vez mais interações que transmitam segurança, identidade e pertencimento.
As plataformas de newsletters têm também vivido um momento de expansão. O Substack anunciou, em Março passado, que alcançou cinco milhões de assinaturas pagas, apenas quatro meses depois de atingir os quatro milhões. Este crescimento acelerado reflecte uma tendência em que os leitores estão dispostos a pagar directamente a criadores de conteúdo independentes, reforçando a ligação entre jornalista e público sem intermediários institucionais. A plataforma tem investido fortemente em áudio e vídeo, além de atrair jornalistas que deixaram grandes redacções e personalidades, como Paul Krugman, Jim Acosta e Joy Reid.
Dois veículos digitais de comunicação que contribuíram para a popularização das newsletters na última década foram recentemente vendidos: o TheSkimm, adquirido pelo Grupo editorial EHG, e o Quartz, comprado pela canadiana Redbrick. Ambos nasceram em 2012 e ajudaram a demonstrar o potencial das newsletters como canal directo de informação. O TheSkimm, direccionado para mulheres da geração millennial, manteve uma linguagem acessível e informal, o que o tornou altamente popular. Já o Quartz destacou-se pela sua aposta em newsletters com curadoria de notícias globais, como o Quartz Daily Brief. A Redbrick, que tem vindo a expandir a sua presença digital com várias aquisições, planeia integrar o Quartz com a plataforma de publicidade para newsletters Paved, reforçando o foco neste formato.
Paralelamente, a OpenAI assinou vários acordos com meios de comunicação de relevo, como o The Guardian, a Axios e a Schibsted Media Group. Estes acordos permitem que conteúdos jornalísticos sejam utilizados pelo ChatGPT para gerar respostas informativas com atribuição de fonte e ligações para os artigos originais. Além de garantir visibilidade e compensação para os meios, os acordos preveem ainda que as redacções envolvidas tenham acesso às tecnologias da OpenAI para desenvolver novos produtos editoriais. A própria OpenAI afirma que já estabeleceu parcerias com quase 20 grupos editoriais, abrangendo mais de 160 meios de comunicação em 20 línguas diferentes.
Tem vindo a ganhar terreno o conceito de newsfluencers, uma figura emergente que está a captar cada vez mais a atenção de audiências jovens. Um estudo recente do Pew Research Center revelou que cerca de 21% dos americanos – e 37% dos jovens com menos de 30 anos – recebem notícias regularmente através de influenciadores nas redes sociais, sendo que 77% destes influenciadores nunca trabalharam formalmente num órgão de comunicação social.
Estes influenciadores, com, pelo menos, 100 mil seguidores, actuam principalmente no TikTok, Instagram, YouTube e outras plataformas, e muitos deles tornaram-se fontes primárias de informação para uma parte significativa da população. Este fenómeno tem motivado reflexões sobre a credibilidade, a ética e o impacto da comunicação digital independente.
Diante desta realidade, diversas iniciativas surgiram para estudar e orientar esta nova era da informação. O Centro Knight para o Jornalismo nas Américas publicou recentemente o e-book Criadores de Conteúdo e Jornalistas, uma obra que analisa como os criadores digitais estão a redefinir o conceito de credibilidade no jornalismo. Com apoio da UNESCO, o livro propõe uma aproximação entre jornalistas tradicionais e criadores, reconhecendo que ambos têm lições a trocar e desafios comuns na era digital. O Centro também disponibilizou um curso online gratuito sobre como tornar-se uma voz credível na internet. Em complemento, o American Press Institute publicou um guia prático para que redacções locais possam colaborar com influenciadores de forma eficaz, criando pontes entre o jornalismo visto como tradicional e o universo dos criadores independentes.
(Créditos da imagem: imagem retirada do site dos Cuadernos de Periodistas)