O jornalista enquanto “curador de notícias” na era da inteligência artificial
Num novo texto para o Observatório da Imprensa do Brasil, com o qual o CPI mantém uma parceria, o jornalista e investigador Carlos Castilho analisa a transformação pela qual passa o jornalismo contemporâneo: “O jornalismo ainda não conseguiu reinventar-se para se inserir na era da disseminação digital de notícias pela internet e já tem pela frente um desafio ainda maior: o dos sistemas de agentes de inteligência artificial, que acabam de sair do campo experimental para virarem um produto comercial, como o programa ChatGPT Pulse”.
Este novo projecto da empresa OpenAI pode, entre outras coisas, montar diariamente uma plataforma noticiosa personalizada, ajustada aos interesses e necessidades de cada utilizador.
Os sistemas de agentes constituem um tipo especial de programa que se distingue dos restantes modelos de inteligência artificial por cinco características fundamentais que o autor elenca: têm um objectivo específico determinado por humanos, tomam decisões com autonomia dentro desse objectivo, são capazes de aprender e de se modificar, podem planear acções futuras e utilizam raciocínios lógicos.
Alguns exemplos práticos
Os agentes inteligentes já se encontram em funcionamento em diversos programas. O AlphaFold, especializado em investigação científica sobre proteínas; o Adept AI, concebido para a área da administração de negócios; o Fetch AI, aplicado à logística urbana; e o Waymo, utilizado no planeamento de percursos para veículos automáticos.
Para Castilho, a grande diferença do Pulse, em relação a projectos anteriores de personalização do noticiário jornalístico, reside na amplitude do campo de dados pessoais utilizados pelos algoritmos. "O programa guarda tudo o que o utilizador leu, ouviu, viu, escreveu e conversou durante um certo período de tempo e relaciona tudo isto com dados, factos, eventos e ideias em circulação no contexto social, político e económico de quem o utiliza”, explica.
A qualidade da resposta a uma consulta de inteligência artificial está directamente ligada ao volume de dados que o algoritmo consegue “varrer”, recombinar e transformar em conclusões. O utilizador pode, por exemplo, solicitar ao sistema a elaboração de um discurso, uma apresentação profissional, um roteiro de viagem, o cardápio de um jantar, ou até a redacção de uma notícia ou de um trabalho académico.
Repensar a forma de fazer jornalismo
“Se tomarmos como referência as rotinas, normas e valores ainda vigentes na profissão, o Pulse poderia ser visto como uma espécie de sentença de morte do jornalismo convencional, apoiado em estruturas analógicas”, considera o autor, acrescentando que o avanço da inteligência artificial no campo da informação “aumenta a urgência em repensar o exercício do jornalismo”, sobretudo tendo em conta que programas como o Pulse, e outros que deverão ser lançados em breve, irão alterar profundamente o processo de produção de notícias.
Até agora, repórteres, redactores e editores tinham como função investigar dados, factos e eventos para produzir textos, áudios ou imagens capazes de explicar o que acontece, ou o que está prestes a acontecer, a leitores, ouvintes, telespectadores e internautas. Hoje, essas funções são desempenhadas com grande rapidez, intensidade e diversidade de fontes por algoritmos digitais. O jornalismo deixa, assim, de ser uma actividade centrada na formatação de notícias para assumir um papel de "curador e instrutor de dados, factos e eventos relevantes para públicos específicos”.
A curadoria permite ao jornalista orientar o público quanto ao tipo de notícia mais útil, adequada e importante para as suas necessidades. Passa, assim, a desempenhar o papel de conselheiro informativo, exigindo um conhecimento profundo das preferências, motivações e expectativas dos cidadãos. Este novo perfil profissional requer também investigação e reflexão sobre os temas identificados como relevantes, a fim de exercer uma curadoria noticiosa eficaz junto de diferentes comunidades de leitores.
Para desempenhar estas novas funções, o jornalismo precisará inevitavelmente do apoio de ferramentas tecnológicas, como os sistemas de agentes inteligentes. " Sem eles, é virtualmente impossível a repórteres, editores e influenciadores mergulhar na avalanche informativa, neutralizar a desinformação e verificar notícias falsas na internet”, conclui.
(Créditos da imagem: Unsplash)