O futuro do jornalismo ainda é uma grande incógnita…

Um novo artigo de Carlos Castilho para o Observatório da Imprensa do Brasil, parceiro do CPI, analisa os desafios actuais do jornalismo no contexto da transição digital e propõe o jornalismo local como uma base sólida para a reconstrução da confiança do público e para a definição de um novo modelo de informação pública.
“O futuro do jornalismo ainda é uma grande incógnita, mas tudo indica que a sua adaptação plena ao meio digital vai passar pela cobertura local. Isto porque pesquisas indicam uma queda continuada na importância que as pessoas atribuem ao jornalismo na hora de tomar decisões”, refere o autor.
Esta crise é agravada por um “preocupante divórcio” entre os temas priorizados pela imprensa e os interesses reais das pessoas comuns. As elites políticas e económicas continuam a dominar a definição da agenda mediática, o que tem contribuído para um sentimento de desconexão entre o público e os meios de comunicação.
Além disso, a migração dos consumidores de notícias para as redes sociais e plataformas digitais provocou o encerramento de muitos órgãos de comunicação social tradicionais, criando os chamados “desertos informativos” (regiões ou comunidades sem acesso a informação jornalística relevante e regular).
Castilho argumenta que a superação desta crise exige uma nova relação entre jornalistas e o público: “O profissionalismo jornalístico evoluiu muito no que se refere às técnicas de investigação, edição e publicação de notícias, com o uso de computadores e da internet. Mas o fascínio com as novas tecnologias fez com que repórteres, editores e executivos da imprensa se despreocupassem com a relação com as pessoas comuns”.
O autor sugere que, para recuperar a confiança do público, o jornalismo deve abandonar o modelo tradicional de produzir notícias “para” o público e passar a construir conteúdos “com” o público, ouvindo as suas necessidades e preocupações concretas.
“A produção de notícias ‘com’ as pessoas surge a partir da necessidade de interromper o processo de desertificação noticiosa ao fazer com que o jornalismo se torne algo essencial à vida das pessoas num ambiente cada vez mais congestionado por informações nem sempre confiáveis”, considera Castilho. A proposta de jornalismo local assenta na ideia de que as pessoas valorizam informações práticas e próximas, como horários de transportes públicos, recolha de lixo, ou o estado dos serviços públicos locais, em detrimento de notícias sobre bolsas de valores, geopolítica internacional ou conflitos distantes.
O espaço deixado vago pela imprensa tradicional tem sido rapidamente ocupado por influenciadores digitais, cujo número cresce de forma explosiva, especialmente entre os mais jovens. No Brasil, estima-se que haja entre dois a dez milhões de influenciadores, embora os dados não sejam precisos. Este fenómeno está associado a um crescimento anual superior a 60%.
Paralelamente, surgem jornalistas independentes, com e sem formação formal, que produzem conteúdos com base na agenda mediática tradicional. Estes dois grupos constituem um novo ecossistema informativo, mas enfrentam crises próprias, como a perda de credibilidade devido à excessiva monetização de conteúdos e à polarização política no discurso.
O autor menciona dois fenómenos detectados por investigadores da internet: o chamado “apocalipse no fluxo de mensagens”, que se manifesta numa queda de 30% nos redireccionamentos para sites nas pesquisas do Google; e o fenómeno da “postagem zero”, que corresponde ao aumento de utilizadores que deixaram de partilhar conteúdos pessoais nas redes sociais.
Estes sinais indicam um cansaço generalizado com o excesso de informação, desinformação e incerteza digital. Perante este cenário, o jornalismo local apresenta-se como um antídoto possível: um jornalismo comprometido com a realidade concreta das pessoas, enraizado nas comunidades e construído em colaboração com o público.
(Créditos da imagem: Unsplash)