Como a Inteligência Artificial está a alterar o ensino do jornalismo em vários países

O uso da inteligência artificial generativa (IA) está a transformar o ensino do jornalismo em vários países. Gretel Kahn, jornalista na equipa editorial do Reuter’s Institute, dá a conhecer os relatos de professores do Camboja, Peru, Sérvia, Espanha, Reino Unido e EUA sobre as oportunidades e os riscos desta tecnologia.
“Todos os professores com quem conversei afirmam que os alunos utilizam a IA para diferentes tarefas. Nos últimos três anos, as suas atitudes passaram de uma curiosidade tímida para o uso pleno da tecnologia de diversas formas. Alguns utilizam a IA para pesquisar ou encontrar fontes, enquanto outros utilizam-na para escrever as suas próprias tarefas”, começa por contar o jornalista.
Ponleu Soun, professor e investigador na Universidade Real de Phnom Penh, no Camboja, nota que muitos alunos usam a IA para gerar ideias ou textos, mas “na pior das hipóteses, alguns deixam de verificar os factos ou a precisão do conteúdo, resultando em argumentos com falhas e detalhes incorrectos”.
Paul Bradshaw, da Universidade da Cidade de Birmingham, no Reino Unido, detectou diferentes formas de utilização: “Tem alguém que gera o artigo inteiro, usando IA. Mas outros podem escrever o artigo, mas geram citações e fabricam uma fonte; e outros [...] pedem à IA que o reescreva; e outros que recebem algum feedback da IA... E alguns destes não diria necessariamente que são maus”.
Já Ainara Larrondo, professora na Universidade do País Basco, alerta para problemas de plágio e lembra: “Com toda esta coisa da IA, é importante lembrar os futuros jornalistas de que a ferramenta que se utiliza para traduzir ou escrever um artigo é apenas um assistente para o seu trabalho. Mas o seu foco deve estar no seu próprio trabalho”.
Carolina Albornoz Falcón, da Universidade Nacional Mayor de San Marcos, no Peru, reforça esta ideia: “Enfatizamos que devem utilizar [estas ferramentas], mas devem fazê-lo de forma responsável, e também devemos monitorizar a forma como as utilizam. Actualmente, os alunos são frequentemente mais proficientes com estas ferramentas do que os próprios professores”.
Com base nestes relatos, o jornalista conta que nenhum dos professores com quem conversou “demoniza a IA como ferramenta e muitos deles incentivam os alunos a usá-la de forma responsável”. Ainda assim, alguns relatam que os jovens estão “a virar-se contra a IA”.
Dragana Pavlovic, da Universidade de Nis, na Sérvia, afirma que “eles estão mais conscientes dos problemas de utilização do ChatGPT e estão a evitá-lo porque, por vezes, inventa citações ou referências a estudos e livros que não existem”.
Zhao Peng, do Emerson College, nos EUA, acrescentou que pouco menos de metade dos seus alunos são veementemente contra a IA, citando preocupações de que esta irá diminuir as suas capacidades de pensamento crítico, a sua escrita e a sua capacidade de fazer as suas próprias pesquisas.
Cientes deste cenário, muitos docentes procuram adaptar as suas práticas. Soun, o professor no Camboja, introduziu apresentações orais e sessões de perguntas e respostas para garantir que os alunos dominam os conteúdos. Albornoz Falcón, do Perú, reintroduziu trabalhos manuscritos para avaliar as capacidades criativas e de escrita dos alunos.
Bradshaw criou o “diário de IA”, onde os estudantes registam cada interacção com a tecnologia: “Fiquei muito feliz quando cheguei à primeira tarefa em que alguém admitiu ter pedido ao ChatGPT para gerar uma lista [...]. Estavam a ser transparentes sobre o facto de o terem feito e depois puderam reflectir e pensar criticamente sobre isso”.
O jornalista conta que, embora a IA não esteja formalmente integrada em nenhum currículo até à data, todos os professores com quem falou já a incluíram nas suas aulas informalmente através de módulos, em vez de cursos individuais.
Os professores reconhecem que a IA não substitui o pensamento crítico, a criatividade ou a verificação factual. Peng alerta: “A IA pode fornecer factos, mas ainda é preciso pensar na sequência lógica, nos detalhes que faltam”. Larrondo acrescenta que, quando os trabalhos apresentam uma gramática, ortografia e argumentação “hiperperfeitas”, perde-se “o processo de aprendizagem e a humanidade do resultado”.
Apesar dos riscos e preocupações, os educadores acreditam que a tecnologia pode ser uma aliada, desde que usada de forma ética. “Digo sempre [aos alunos] que todo o medicamento é venenoso se não for tomado correctamente. Toda a tecnologia traz consigo alguns perigos e a única forma de a utilizar correctamente é estar ciente de todos os perigos possíveis. O meu objectivo é apresentar-lhes tanto as vantagens como as desvantagens”, afirma Pavlovic. Para Soun, “a IA visa ajudar os jornalistas a atingir todo o seu potencial, e não prejudicá-lo”.
Olhando para o futuro, Bradshaw, do Reino Unido, considera que a IA pode reduzir a ênfase no lado técnico da escrita e valorizar mais as competências investigativas: “Escrever é uma forma de reflectir sobre as coisas. Se deixar que o ChatGPT o faça por si, estará a privar-se da oportunidade de elaborar os seus próprios pensamentos. Aprende-se escrevendo”.
Larrondo, de Espanha, acredita que os jornalistas terão de reforçar a verificação e a diversidade de informações, à medida que a desinformação se torna mais predominante e as notícias mais personalizadas. Albornoz Falcón, do Perú, sublinha a importância da supervisão humana: “É um dever moral fornecer ao público informação responsável, baseada na ética e em todos os princípios jornalísticos exigidos pela prática jornalística”.
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