Queda da confiança do público é um fantasma que assombra editores e gestores de media
“Um dos fantasmas que mais assombram editores e gestores de media é a queda da confiança pública no jornalismo. Há décadas pesquisas tentam captar o quanto as pessoas acreditam nas notícias, numa clara tentativa de perceber se a indústria está no caminho certo. A leitura de gráficos desanimadores leva à imediata interpretação de que o jornalismo não está atendendo às expectativas da sociedade, o que resulta inevitavelmente em perda de relevância, diminuição no consumo, queda nas receitas e crise de sustentabilidade”, afirma Rogerio Christofoletti em artigo publicado pela objETHOS.
O professor de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA) investigador em Comunicação e Democracia, destaca que a confiança do público no jornalismo é essencial para a saúde da democracia e que a queda dessa confiança pode ter graves consequências sociais e políticas.
Para o professor está cada vez mais claro que a confiança é um tema complexo e com muitas nuances. “Confiar em alguém é um processo marcado por exigências pessoais e a esperança do cumprimento de certos compromissos”. Acrescenta, ainda, “que acreditar no funcionamento de um produto também não depende só de aspectos técnicos”.
Destacando que a queda da confiança pública no jornalismo é um dos problemas que mais preocupam os editores e gestores dos media. A análise de gráficos desanimadores leva à imediata interpretação de que o jornalismo não está a responder às expectativas da sociedade, o que resulta inevitavelmente na perda de relevância, diminuição no consumo, queda nas receitas e crise de sustentabilidade.
O autor pondera que embora a confiança seja um elemento essencial para trocas diversas e para a própria preservação da sociedade, o seu processo de construção e manutenção é dinâmico, complexo e variado.
Segundo Christofoletti, confiar em alguém é um processo marcado por exigências pessoais e a esperança do cumprimento de certos compromissos. Acreditar no funcionamento de um produto também não depende só de aspectos técnicos. E para termos um relacionamento com uma organização levamos em conta ainda factores como tempo de conhecimento mútuo, taxa de acertos e vantagens nas condições de entrega do que contratamos. O autor afirma que “a confiança é um tema complexo e com muitas nuances”.
Christofoletti cita a editora britânica Marcela Kunova, que questionava se verdade era o mesmo que confiança. Segundo Kunova, não basta dizer a verdade, já que o próprio conceito de verdade pode ser relativizado a depender do episódio narrado.
Há, ainda, outros factores que ajudam a consolidar a confiança das pessoas nos media e nas notícias. É um processo complexo que depende, inclusive, da sensação de representatividade. Se o público não reconhecer a sua realidade no noticiário, vai considerá-lo menos confiável. Esforços para ampliar a inclusão, por exemplo, são necessários, e, segundo Kunova, a indústria do jornalismo ainda tem um longo caminho a percorrer.
O autor menciona a colunista do The Guardian, Arwa Mahdawi, que lembrava que “a confiança é difícil de construir e fácil de se deteriorar, bastando deslizes em coberturas ou mesmo histórias de bastidores mal contadas”. Além disso, Christofoletti aponta para o caso de órgãos de comunicação e jornalistas independentes que são admirados por jornalistas e parte do público pelo seu trabalho independente e contestados pela sua credibilidade por outras parcelas da audiência.
O director do Instituto Reuters para Estudo do Jornalismo, Rasmus Nielsen, afirma que mais do que a precisão factual, o ambiente político local interfere também no quanto as pessoas acreditam ou não nos media. Especialmente em países polarizados, onde políticos proeminentes atacam rotineiramente os media de notícias independentes e frequentemente orquestram campanhas coordenadas pelos seus apoiantes, o que faz com que aqueles que os apoiam sejam cépticos em relação aos órgãos de informação independentes que procuram responsabilizá-los. Um estudo do Instituto Reuters, apontou que a imparcialidade e precisão das informações são muito valorizados pelo público e fundamentais para fazer com que ele acredite nos meios de comunicação.
Focado na ultra polarização política, o investigador Daniel Trielli prevê que os índices de confiança nos media corporativos devem continuar a cair, pois há sectores da sociedade que se decepcionaram tanto com algumas marcas que abandonaram completamente o seu consumo e simplesmente não pretendem voltar a fazê-lo. A preocupação com as pessoas que não compõem o público habitual dos media já tinha sido manifestada por Rick Edmonds, analista do sector no Instituto Poynter.
Para resgatar a confiança do público, têm sido sugeridas iniciativas, como trazer de volta o ombudsman, um crítico independente que pode ajudar no processo de restauração da confiança. Além disso, a transparência ajuda a resgatar a credibilidade no jornalismo, pois permite ao grande público um conhecimento mais amplo de como as marcas e os indivíduos trabalham e quais são os interesses que os movem, entre outros aspectos.
O projecto “Coming From”, por exemplo, é liderado pelo professor Jay Rosen, do Studio 20 da Universidade de Nova York, e dispõe-se a reunir iniciativas de transparência no jornalismo. “Incentivamos os jornalistas a partilhar quem são, como pensam e de onde vêm, para que o público possa entender melhor e se envolver”, explica Rosen.