A propósito do livro “Nido De Piratas- La Fascinante Historia Del Diario Pueblo (1965-1984)”, da autoria de Jesús Fernández Úbeda, que narra histórias na redacção do jornal espanhol Pueblo, o jornalista Miguel Ormaetxea escreveu um texto sob o título “Ninho de piratas ou mestres do jornalismo?”.

A sinopse do livro realça as “dezenas de repórteres e fotógrafos a lutar por exclusivos”, que estavam “dispostos a tudo” e a “forma selvagem e excitante de fazer jornalismo”, naquela época, entre 1965 e 1984, ano do encerramento do jornal.

Miguel Ormaetxea diz que conheceu “algo daquela época e a sua comparação com o presente” traz-lhe “lágrimas aos olhos”.

No Pueblo houve uma censura severa, mas “aqueles piratas conseguiram muito bem contorná-la. E Emilio Romero apoiou-os até à morte”, sublinha o autor.

O jornal Pueblo era dirigido pelo jornalista Emilio Romero, acerca do qual Ormaetxea e outros profissionais do meio, têm grande admiração. O autor relata a altura em que Romero chegava a uma redacção e “até a tagarelice” das máquinas Olivetti “era abafada”. . Quando se ouvia, "«Emilio Romero já cá está»", parecia que Deus tinha chegado, em pessoa”.

Muitos anos depois, estando Ormaetxea a trabalhar como director interino do jornal económico do Grupo Zeta, Gaceta de los Negocios, foi-lhe passada a chamada de “um tal Emilio Romero”, que tinha escrito um texto, mas nessa altura já ninguém publicava os seus trabalhos em Madrid, referiu. O antigo director do Pueblo perguntou a Miguel Ormaetxea se teria “a amabilidade de o publicar”.

Nos seus “45 anos de profissão”, Ormaetxea diz ter conhecido “muitas redacções, diferentes tecnologias e reconversões” e afirma que sempre gostou “da atmosfera agitada e ansiosa das redacções. Das antigas, principalmente”.

O autor recorda a época em que, “com vinte e poucos anos”, fez “um estágio de verão no jornal Alerta”, quando chegava depois do jantar, para escreverem a reportagem que tinha realizado durante o dia. Enquanto os estagiários e jornalistas escreviam havia uma conversa animada, sobre aqueles ou outros temas. “Mais tarde, descíamos à gráfica Marinoni e levávamos alguns exemplares connosco, manchando-nos com a tinta do que havíamos escrito horas antes”, conta. A seguir iam “beber um copo”.

Entretanto, Ormaetxea diz que tem visto “a profissão declinar a limites terríveis e impensáveis. A chegada da internet foi como o tiro de partida para a decadência”.

A propósito, o autor cita o falecido jornalista Juan Pablo de Villanueva, que foi seu editor: "não entendo isto de darmos na internet o que cobramos no quiosque", disse-lhe um dia.

A propósito de lhe “virem as lágrimas aos olhos”, Ormaetxea diz não querer “derramar muitas lágrimas”, mas chama a atenção sobre os recentes dados acerca do que “García Márquez disse ser «a melhor profissão do mundo»".

O autor evidencia que em Espanha existem “cerca de 7 mil jornalistas” desempregados, “sem contar com aqueles que terminaram os seus estudos e que não encontram trabalho”. Quanto aos restantes, “75% admitem que recebem pressões no trabalho”, “82% dizem que a profissão tem uma má imagem”, “aqueles que se arrependem” de ter escolhido a profissão, “são, nada mais, nada menos do que 87% nos Estados Unidos e no Reino Unido”, e estão “350 jornalistas presos, por todo o mundo, por exercer” a profissão.

“Diziam que a Inteligência Artificial (IA) facilitaria o trabalho dos editores, mas os tweets gerados pela IA e a desinformação são uma praga”, considera o jornalista.

Olhar para os jornais nos quiosques “é um horror: a mesma informação intitula-se de forma contrária em jornais diferentes”, afirma.

Por outro lado, na internet, as “manchetes que escondem as notícias para se faça clique, causam repugnância”.

E por último, o “jornalismo de trincheira deixou de ser jornalismo. Os outrora mimados correspondentes de guerra são agora, muitos deles, trabalhadores independentes, que pagam a viagem, remunerados a 40 euros por crónica, por arriscarem a vida, usando um colete à prova de balas emprestado pelos Repórteres Sem Fronteiras”, assinala.

Jesús Fernández Úbeda, o autor do livro “Ninho de Piratas”, “escreveu 300 páginas velozes, lidas de uma só vez, que dão conta de um tempo demasiado esquecido, que não era um ninho de piratas mas de repórteres sem bandeira, apaixonados pelo seu trabalho. Deveria ser leitura obrigatória nas escolas de jornalismo. Isso, pelo menos, que assim seja”, remata Miguel Ormaetxea.