A realidade virtual está a ser usada em programas de treino para preparar os jornalistas que fazem a cobertura da guerra na Ucrânia, conta Laura Oliver num artigo do Reuters Institute.

A invasão da Ucrânia pela Rússia no dia 24 de Fevereiro de 2022 transformou uma série de profissionais, incluindo “jornalistas de negócios, correspondentes de cultura, fotógrafos de revistas” e até fotógrafos de casamentos, em repórteres de guerra, começa por descrever o artigo.

O contexto de perigo a que estes profissionais passaram a estar expostos, sem que estivessem preparados para isso, levou dois experientes repórteres de guerra e co-fundadores da publicação ucraniana independente Zabordona a criar uma organização que ajudasse aquelas pessoas, a Fundação 2402.

“Era importante para nós apoiar outros jornalistas que nunca tinham estado em cenário de guerra”, diz Katerina Sergatskova, uma das criadoras da fundação, citada pelo Reuters Institute. Sergatskova é da Crimeia e conta que se tornou repórter de guerra quando a Rússia invadiu a região. O outro fundador é Roman Stepanovych, marido de Katerina Sergatskova.

A fundação já distribuiu coletes, capacetes e kits de primeiros-socorros a mais de 400 jornalistas, além de já ter dado formação a quase 500 jornalistas.

O objectivo das formações é dotar os profissionais de estratégias para avaliar e mitigar os riscos durante a cobertura do conflito. “Pode ser difícil perceber o que fazer durante um ataque: é melhor fugir ou procurar abrigo? Uma das principais dúvidas dos jornalistas na Ucrânia é o que fazer durante os ataques quando se estão a deslocar de carro”, explica Sergatskova.

A ajuda da realidade virtual

A Fundação 2402 procura constantemente ir melhorando as suas acções de formação, nomeadamente trazendo elementos de inovação tecnológica que potenciem as aprendizagens.

Foi em 2022, num encontro da ACOS (A Culture Of Safety Alliance; numa tradução livre, Aliança para Uma Cultura de Segurança), que Sergatskova teve contacto pela primeira vez com formação em segurança através de programas de realidade virtual.

Em Junho de 2023, já 40 jornalistas estavam a participar, em Lviv, no primeiro curso da fundação sobre distúrbios civis e segurança digital, “HEFAT — Hostile Environment and First Aid Training” (Primeiros Socorros e Ambientes Hostis). Com a duração de três dias, o curso conciliou sessões teórico-práticas com módulos em realidade virtual. “Os cenários de realidade virtual, criados e disponibilizados pela empresa de formação Head Set Immersive, tinham a duração de 10 a 15 minutos”, descreve o artigo do Reuters Institute. Depois de assistirem ao cenário sobre distúrbios civis, os formandos tiravam os dispositivos de realidade virtual e eram desafiados a dar seguimento à situação num registo de role-play.

A combinação de modalidades de ensino é um dos pontos fortes deste programa de treino.

A preparação psicológica em realidade virtual

Sergatskova revela que, além da preparação prática, os cenários de realidade virtual ajudam os jornalistas a estar mais preparados para as reacções psicológicas que possam vir a ter. “Numa situação virtual, percebes como te sentes e consegues imaginar que tipo de decisões vais querer tomar. Mexe com as tuas emoções”, explica a criadora da fundação que oferece os cursos.

Embora seja difícil recriar a pressão real de um cenário de explosões e gritos, Sasha Maslov, fotojornalista ucraniano-americano e formando dos cursos da 2402, concorda que a realidade virtual, por ser imersiva, acaba por activar algumas das reacções psicológicas com que irá ter de lidar no terreno.

Halyna Yakushko, antiga correspondente ucraniana de lifestyle e actualmente repórter de guerra, também valoriza esta vertente da formação: “Eu frequentemente passo por situações em que alguém faz pressão sobre mim, por exemplo, quando estou em contacto com o exército. Se me pedirem para mostrar alguma coisa [papéis ou outros materiais], agora estou preparada para isso. Sinto-me mais confortável e sei o que responder e como reagir, porque já me aconteceu antes na realidade virtual”, cita o artigo.

Sergatskova diz que é possível ver o progresso dos participantes no final das formações e perceber que estão mais preparados para ir para o terreno. “A formação pode salvar vidas: não só as deles mesmos, mas também as vidas de colegas ou de outras pessoas naquelas situações”, conclui a repórter.

(Fotografia: captura de ecrã de vídeo da Fundação 2402 sobre as formações com recurso à realidade virtual.)