Observamos a existência de uma divisão, entre quem é a favor e quem é contra o Governo e o partido do Governo (o Partido dos Trabalhadores – PT), como se houvesse um único partido envolvido em todo o processo de investigação de corrupção. Uma parte do país, refletido na imprensa nacional, parece acreditar que só existem dois lados no cenário da política brasileira: o lado da situação e o da oposição. Aqueles que têm uma outra visão, mais imparcial, são acusados de estarem defendendo o lado oposto (que tanto pode ser o da oposição quanto o da situação) ou de estarem a absterem-se por covardia.

A agenda do Brasil foi transformada na agenda do “show” político, que é retratado sem imparcialidade pela grande maioria dos media. Esta situação acaba por gerar pressões em outras instâncias, como, por exemplo, na Justiça. A imprensa brasileira sobrepõe seu papel de transmitir informação e se transforma em senhora da opinião, juíza de valores, defendendo causas e tomando partido (literalmente). Neste momento, em sua maioria, a imprensa está dividida entre quem defende e quem é contra (tanto faz: Governo ou oposição), dividem o cenário político entre o bem e o mal.

Os escândalos de corrupção se tornaram motivos de grande shows midiáticos, de especulações, que nos faz lembrar que no histórico recente do país tivemos a conivência e interferência de meios de comunicação na concretização do Golpe Militar de 1964, que mergulhou o país em mais de 20 anos de ditadura, abusos e restrições contra os direitos humanos.

A crise do país se reflete também numa crise sobre o papel desta imprensa e dos meios de comunicação social para o Brasil. O cenário é prejudicado pela inexistência de uma TV pública e de uma agência pública de comunicação, não estatais[1], problema que tende a se agravar pela falta de audiências da TV Brasil.

Através deste ponto de vista podemos dizer que o governo - mesmo com uma política de esquerda - não soube dar a importância estratégica que a comunicação pública merece, seguiu alimentando a concentração dos media e o monopólio das comunicações privadas. Neste setor, o governo deixou  de investir em um programa de distribuição de verbas publicitárias públicas mais igualitárias e regionalizada, como também de ter criado políticas públicas que garantissem o equilíbrio entre o setor público, privado e estatal[2]. Foi omisso em não promover uma literacia mediática de seus cidadãos, na prática o governo brasileiro preferiu seguir um caminho inverso, sendo conivente com a não regulação dos media e com a não garantia de direitos fundamentais como a liberdade de expressão e o direito de resposta (este último só aprovado como lei e sancionado em novembro de 2015).

O cidadão comum, em meio a falta de literacia midiática e de imparcialidade na imprensa, acaba por ter uma visão distorcida da realidade gerando mais incertezas e instabilidade.

Há aquele que se abstenham totalmente de saber qualquer informação. Este grupo, normalmente, é formado por aqueles que estão cansados do show especulativo e das informações alucinadas transmitidas pelos media, na disputa de que meio de comunicação consegue informar primeiro o próximo escândalo relacionado ao espetáculo político nacional. Engrossam as fileiras dos que passaram a ver com desconfiança a imprensa brasileira.

Passamos a ter a sensação que também a Justiça trabalha sobre uma agenda política, neste circo que se transformou a imprensa brasileira, tendo em mente mais um circo romano da antiguidade, o que me fez recordar uma frase que ouvi certa vez no Congresso Nacional em Brasília: “Ou você é leão ou você é cristão”. Há quem acredite que só haja estas duas opções.

 

 

* Historiadora, jornalista luso-brasileira, especialista em Direito para Comunicação Social pela Universidade de Lisboa, mestranda em Estudos dos Medias e do Jornalismo pela Universidade Nova de Lisboa. É vice-presidente da Frente Nacional pela Valorização das TVs do Campo Público (Frenavatec/Brasil), membro fundadora da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação na Câmara dos Deputados em Brasília, membro do Observatório Latino-Americano das Indústrias de Conteúdos Digitais (OLAICD), atua na agenda da comunicação como um direito humano e na formação de redes globais de comunicação e cultura da paz.

 

 

 

Nota: A jornalista Alice Campos foi convidada pelo Clube Português de Imprensa para escrever nesta coluna sobre o momento actual dos media brasileiros, perante a crise politica que se desenrola naquele país. Publicamos a sua primeira crónica, respeitando integralmente a ortografia original.



[1]     A Empresa Brasil de Comunicação (EBC), com a TV Brasil e a Agência Brasil, é diretamente ligada a Secretaria de Comunicação da Presidência da República.

[2]     Conforme determina a Carta Magna do Brasil.