Problemas actuais do Jornalismo
Por outro lado, não se descobriu, ainda, como será possível ganhar dinheiro no jornalismo on-line. Conteúdos pagos, sim ou não? Até que ponto? Publicidade?
E a net está a tirar espectadores da TV, sobretudo entre os jovens. TV que se defronta com o problema da fragmentação de canais. Estarão condenados os canais generalistas?
Decadência deontológica
Nas últimas décadas tornou-se visível uma decadência deontológica na comunicação social. Acentuou-se a tendência para o sensacionalismo, que dá prioridade ao chocante, ao escândalo, ao sangue, à tragédia como espectáculo.
Vale tudo para ganhar leitores e audiências, o que é agravado pela pressão da crise e da concorrência. Nos Estados Unidos já houve pedidos de estações de televisão – por enquanto recusados – para transmitir em directo a execução de um condenado à morte.
Esta deriva sensacionalista, que apela ao sentimento (servem quaisquer emoções e sentimentos, até os bons) e se encanta com os “famosos”, foi impulsionada pela televisão – um medium caríssimo e altamente popular. E daí alastrou para outros media. É o chamado jornalismo tablóide.
Não é um fenómeno novo. O magnate da Imprensa Randolph Hearst (o personagem interpretado por Orson Welles no seu filme Citizen Kane) promoveu no fim do século XIX uma guerra dos EUA com Espanha, em Cuba (então colónia espanhola), para… vender jornais.
E os jornais sensacionalistas britânicos, os chamados “tablóides”, emergiram nas primeiras décadas do século XX, vendendo muito mais do que os jornais ditos “de qualidade” ou “de referência” (o que ainda hoje acontece).
Mas a actual massificação dos consumos de informação, nomeadamente na TV, conferiu à tendência sensacionalista uma nova dimensão. A tirania das audiências faz, hoje, estragos maiores do que no passado. Surgem fenómenos inquietantes, como misturar informação com entretenimento e espectáculo (o chamado infotainment). O rigor informativo cede perante a necessidade de apresentar imagens bombásticas, levando a divulgar notícias não confirmadas e que depois se revelam não serem verdadeiras.
A responsabilidade do jornalista
Qual a responsabilidade individual do jornalista nesta quebra deontológica? É menor do que muitas vezes se pensa – e não o digo por ser jornalista, mas por conhecer a realidade do meio.
Muitas empresas de comunicação social estão aflitas financeiramente. Daí, por um lado, a limitação de meios humanos nas redacções, dificultando qualquer investigação jornalística cuidada. Por outro lado, em vários media existe hoje uma pressão enorme sobre os jornalistas para que arranjem notícias que atraiam público, seja como for.
Se, como tantas vezes é o caso, o jornalista é jovem, porventura um estagiário ou alguém sem contrato de trabalho efectivo, a sua vulnerabilidade às exigências menos éticas das chefias é enorme. E nem sempre se pode ser herói.
Progressos em Portugal
Talvez estas considerações pareçam demasiado pessimistas. Creio que são realistas, mas incompletas.
Há que dizer, também, que houve progressos éticos na comunicação social, em particular no nosso país. Por exemplo: antes do 25 de Abril os principais jornais diários publicavam na primeira página textos propagandísticos, designadamente de bancos, sem indicação de se tratar de publicidade paga. E nessa altura vigorava a censura, que se encarregava de eliminar tudo o que fosse escândalo.
Também é positiva a indicação de que o jornalista viajou a convite de… Bem como a existência de provedores do leitor, ouvinte, telespectador.
O consumidor de informação não é passivo
E não se deve exagerar o poder dos media. Têm muita influência, com certeza. Mas as pessoas não são “cãezinhos de Pavlov”, sem capacidade de reagirem criticamente ao que lhes querem meter na cabeça.
Há cinquenta anos receava-se que a publicidade na TV, então em crescimento explosivo, significasse uma autêntica lavagem ao cérebro dos telespectadores. Depois, viu-se que não era tanto assim.
Repare-se que, na área da televisão, as estações generalistas tendem a perder espaço, em favor dos canais especializados. Cada vez mais o telespectador é levado a fazer, ele próprio, a sua programação, escolhendo entre as múltiplas ofertas. Longe vão os tempos em que havia um só canal de TV… E é cada vez mais relevante o papel das gravações (existentes nos sistemas de TV por cabo) na diminuição da passividade do telespectador: vê o que quer, à hora que quer.
O “tele-lixo” é democrático?
Quando pretendem justificar a transmissão de programas degradantes mas de grande audiência (reality shows, por exemplo) os patrões das televisões têm na ponta da língua uma resposta: nós até nem gostamos destes programas, mas o público gosta…
O “tele-lixo” é, portanto, democrático. Se a maioria dos telespectadores preferisse ópera, com certeza que as estações de televisão transmitiriam ópera. O que há a fazer, então, é tentar mudar o gosto do grande público. Ou seja, resolver o problema pelo lado da procura, que não pelo lado da oferta, rejeitando quaisquer tentações censórias.
Não é fácil, leva tempo, mas é o caminho. Que implica um esforço para ajudar as pessoas a lidar com a comunicação social. Nas escolas deveria ser explicada, por exemplo, a linguagem televisiva e as ilusões que ela é susceptível de criar em quem estiver desprevenido.
Já houve iniciativas curiosas por parte dos consumidores de televisão. Em França um movimento apelou a não comprar produtos de empresas que patrocinem programas televisivos considerados indignos, o que fez muitas empresas pensar duas vezes… No Brasil surgiu há anos uma campanha “contra a baixaria” na TV, no mesmo sentido.
A independência dos media
A questão da independência dos órgãos de comunicação social nunca será totalmente resolvida. Mas pode e deve lutar-se por esse ideal.
Quando os media pertencem ao Estado é fatal que cedam às pressões de quem manda na política. Mas algo parecido pode ocorrer quando o proprietário do órgão de comunicação social é uma empresa ou um grupo económico. Num caso como no outro a independência editorial tem de ser conquistada pelos jornalistas, mas com a ajuda do público consumidor da informação.
Uma outra fonte de pressão sobre os media é a publicidade. Venha ela do Estado ou de empresas privadas. Uma rigorosa separação entre o sector editorial de um jornal, de uma rádio ou de uma televisão, e o seu departamento comercial é obviamente desejável. Só que da angariação de publicidade depende, por vezes, a sobrevivência de um órgão de comunicação social.
Jornalista multimédia
O jornalista, hoje, não é um profissional da imprensa escrita, da rádio ou da televisão: é um jornalista “multimédia”, que toca a tudo. Esta multiplicidade de funções já colocou problemas, desde dúvidas no domínio dos direitos de autor até dificuldades de aprendizagem de outras linguagens, a que o jornalista não estava habituado (por exemplo, um profissional da Imprensa ter de aparecer em vídeo no “site” do seu jornal). Mas é uma tendência irreversível, à qual muitos jornalistas portugueses já se adaptaram.
Outra realidade actual: os blogues. Há milhares de blogues, onde cada um escreve o que muito bem lhe apetece. É saudável haver muita gente a dizer publicamente o que pensa. Só que o faz, por vezes, sem sentido da responsabilidade. Em blogues anónimos, por exemplo, é fácil insultar pessoas, falsear a verdade, entrar mesmo em grosserias, sem as consequências legais que recaem sobre quem assim proceda em jornais impressos.
Não defendo a censura à blogosfera (ela existe na China, por exemplo). Mas reconheço existir aqui um problema delicado.
O fim do jornalista?
Será que os blogues vão ditar o fim do jornalista? O jornalista vai desaparecer?
No mesmo sentido, fala-se no cidadão jornalista, isto é, pessoas que, não sendo profissionais do jornalismo, filmam nos seus telemóveis um acontecimento ou transmitem notícias porque estavam presentes no local onde as coisas se passaram.
Julgo que o jornalista não vai desaparecer. Pelo contrário. Numa época de excesso de informação é preciso quem faça uma selecção do material informativo. Haverá, claro, inúmeras selecções possíveis consoante os critérios de quem escolher as notícias – pode ser mais desporto e menos política, por exemplo, ou o contrário.
Mas alguma selecção terá de ser feita, sob pena de ficarmos submergidos numa montanha de notícias e comentários. Ao consumidor de informação cabe escolher quem lhe filtre as informações e comentários mais a seu gosto, no quadro de uma oferta pluralista. Mas a intervenção do jornalista é indispensável.