Na Europa, como nos Estados Unidos, é normal para as grandes cadeias de televisão convidarem ex-politicos, na qualidade de  especialistas, para comentarem, pontualmente, situações ou casos relacionados com as áreas onde intervieram na vida pública. Mas não são aliciados com “cachets” generosos como “comentadores” residentes.

A originalidade dos media portugueses, defendida, aliás, pelos seus principais responsáveis editoriais  (embora se justifiquem  mais com a suposta pluralidade de ideias do que com as audiências, quando estas são, obviamente, o motor das opções), tem sido objecto, até, de estudos académicos, nos quais se procura um enquadramento explicativo para este “mercado” em ascensão. 

Marcelo Rebelo de Sousa foi o “pai” desta vaga de políticos-comentadores,  conseguindo  manter-se em antena durante anos a fio, com um afinco missionário, que lhe trouxe uma popularidade invejável, sem nunca renunciar às suas origens partidárias. Mas são raros os que têm esse dom de comunicador nato, que o distingue, acrescido da polivalência de saberes que lhe é reconhecida.

Ao sair de antena para se candidatar a Belém, Marcelo deixou um vazio, por ser insubstituível no estilo e na forma. E mesmo quem pressurosamente se “candidatou” a tomar o seu “lugar”, no mesmo dia e horário, embora noutra antena  – como foi o caso de Luís Marques Mendes  – corre o risco de não ganhar nada com a mudança e desapontar ainda os espectadores  “órfãos” de  Marcelo.

O vasto elenco de comentadores, que vai da direita à extrema esquerda, configura uma realidade surpreendente. Os audímetros revelam que têm público e é isso o que importa a quem os contrata.

Em 2013, num extenso trabalho de pesquisa do Público, concluia-se que, somados os quatro canais generalistas com os canais temáticos de informação, era possível assistir, contas feitas, a 69 horas de comentário político por semana. Ao todo, o jornal contabilizava 97 comentadores  com presença semanal nas televisões, dos quais 60 eram políticos no activo ou tinham sido.

A situação actual só poderá ter agravado esta tendência, acrescida ainda do trânsito de vários comentadores políticos por diferentes meios, circulando entre os estúdios de televisão, a rádio e as colunas de Imprensa. Um dos mais aplicados é José Pacheco Pereira, mas tem seguidores.

Este fenómeno dos políticos-comentadores tem sido acompanhado e analisado por académicos com percursos diferenciados.  Felisbela Lopes, professora e investigadora de Comunicação na Universidade do Minho, costuma assinalar a pouca rotatividade neste “clube” e ironiza  que na "confraria dos convidados o que custa é chegar a confrade".

Já António Costa Pinto, politólogo,  realça com propriedade que se trata de um núcleo  que "flutua no espaço mediático" (…) "numa estrutura de oportunidade política". Ou seja, os palcos televisivos servem aos actores políticos  para  uma possível reintegração em cargos partidários ou, continuando no activo, para a sua alavancagem. Neste caso, enfatiza, cáustico,  "eles não estão lá porque querem ser comentadores".

Pode apontar-se, como exemplo bem recente, o caso de António Costa que, embora presidente do Município de Lisboa, nunca deixou de manter uma presença regular no programa “Quadratura do Círculo” (imitado agora pelo seu sucessor, Fernando Medina, embora noutro formato televisivo) .

Estes “pregadores individuais”, como lhes chama, muito apropriadamente, António Costa Pinto, procuram exercer uma influência que não é desligada dos seu vínculos partidários  – ou interesses próprios  – produzindo “um grande efeito de eco", como sustenta Rita Figueiras, também  investigadora universitária, que não representa  uma verdadeira pluralidade de ângulos, já que os actores políticos se limitam a deslocar "o Parlamento para a televisão".

Na convicção de que o público aprecia estes exercícios de comentário, sobejam os candidatos ao podium dos escolhidos,  cujos equilíbrios variam consoante a conjuntura.

Os que lá chegaram lutam para não sair e, quando saem,  fazem-no sob protesto, como aconteceu com o ex-ministro socialista Augusto Santos Silva, que  chegou a acusar a direcção editorial da TVI de “censura” por ter suspendido o seu espaço de  comentador.

Descontadas as excepções, os jornalistas deixaram avançar esta vaga de comentadores, que tomou conta dos estúdios e das colunas dos jornais. E foram ultrapassados. Mesmo nas redes sociais, são poucos os que asseguram uma participação continuada. O “jornalismo do cidadão” é outra tendência que veio  delimitar, mais ainda, o território dantes reservado aos profissionais.   

Os jornalistas perderam, assim, a primazia na opinião (assumindo-se  na televisão como interlocutores passivos dos políticos-comentadores, resumindo o seu papel a passar-lhes as “falas”, previamente combinadas), e estão a ficar cada vez mais acantonados nas redacções. Com a margem de manobra reduzida, dependentes do computador. Tão precários no emprego como na iniciativa jornalística.