O que quer o Estado da Agência Lusa ?
Se somarmos a estes 70% a parte correspondente aos materiais enviados pelas grandes agências de comunicação (LPM, Cunha Vaz, etc.) chegamos a uma conclusão extremamente desagradável quanto à situação actual da comunicação social portuguesa: apenas cerca de um quarto dos conteúdos, globalmente considerados, provém da busca ou da investigação efectuada pelos jornalistas de cada jornal, de cada estação de rádio, de cada canal de televisão.
Os efeitos de uniformização de conteúdos de que fala Pierre Bourdieu e, portanto, as ameaças à pluralidade da informação, são por demais evidentes.
Mas não é este o tema que nos reúne, hoje, aqui.
Passemos, então, à segunda razão que justifica a realização desta conferência.
A LUSA é um dispositivo estratégico essencial para a afirmação de Portugal no espaço lusófono e, mais genericamente, é um dispositivo essencial para a afirmação de Portugal no mundo.
De facto, é através da LUSA que Portugal dá de si a imagem mais adequada aos seus objectivos políticos, económicos e culturais. Da mesma forma que é via agência LUSA que Portugal capta a imagem que os outros povos fazem de si e do trajecto que descreve ou que é suposto descrever.
E falta a terceira razão que entronca, aliás, na primeira. Tendo em conta o papel que desempenha no campo dos media, como principal fornecedor de conteúdos, a LUSA, como qualquer outra agência noticiosa, pode constituir um instrumento decisivo para o controle desse campo dos media. Dominar a agência, é caminho aberto para dominar os media, em geral. E dominar a agência não é, pelo menos teoricamente, tão difícil assim: a Administração, designada pela Assembleia-Geral onde o Estado tem posição dominante, nomeia o director de informação. O director de informação nomeia os editores. E cabe, em grande medida, aos editores seleccionar os acontecimentos que virão a ser notícia. Ou seja, cabe aos editores, determinar o que é e o que não é informação.
Eis um risco que, num Estado democrático, convém minimizar a todo o custo.
A estrutura da empresa e o regime de tutela a que está submetida são factores que tornam a gestão da LUSA extremamente complexa.
Vejamos, em primeiro lugar, a estrutura da empresa.
Para além do Estado que possui 50% do capital social, dois grupos – Global Media e Impresa – detêm, em conjunto, 46% desse mesmo capital. O resto, cerca de 4%, é distribuído pela antiga agência Notícias de Portugal, pela RTP e pelos jornais Público, Primeiro de Janeiro e Diário do Minho.
Como equilibrar o orçamento de uma empresa com o capital social assim distribuído?
Através do aumento de receitas provenientes dos serviços prestados? É uma hipótese de difícil concretização. Apesar dos preços cobrados pela agência serem extremamente baixos, é pouco provável que eles possam aumentar.
E porquê?
Porque os dois grandes accionistas privados da LUSA são, simultaneamente, dois dos maiores clientes da LUSA. Apoiar o aumento dos preços equivaleria, para eles, a aceitar, elegantemente, o concomitante aumento de custos nos órgãos de comunicação social que controlam.
O que, convenhamos, não é crível.
E o panorama torna-se mais sombrio se tivermos em consideração a situação económico-financeira dos restantes órgãos de comunicação social. Refiro-me àqueles que, não fazendo parte dos grupos já mencionados – Global Media e Impresa –, são igualmente clientes da LUSA. A sua situação económico-financeira está tão debilitada que muitos deixaram já de pagar pelos serviços que recebem da agência.
Resultado: as contas da LUSA estão dependentes, em grau elevadíssimo, das transferências do Orçamento de Estado.
Em 2012, o então ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, ordenou um brutal corte no apoio à LUSA que passou, salvo erro de minha parte, de 15,6 para 10,8 milhões de euros.
Obrigado a suprimir 30 % das despesas, o Conselho de Administração da agência fechou as delegações existentes em todos os distritos do país, à excepção da delegação do Porto e das delegações das regiões autónomas. E as delegações encerradas foram substituídas por correspondentes, a maioria dos quais com contractos a título precário. As consequências que tal mudança implica, no plano da qualidade do trabalho produzido, são fáceis de antecipar.
Fecho de delegações e fim do investimento em equipamentos multimedia que a agência vinha fazendo, num esforço de modernização traduzido no Prémio Europeu de Inovação multimédia que a LUSA recebeu em 2010.
Fecho de delegações. Interrupção de investimentos e cortes no pessoal. Com efeito, foi posto em execução um plano de pré-reformas que debilitou ainda mais uma redacção já de si bastante carenciada.
E, para se atingirem os tais 30% de redução de custos, a Administração fez um apelo suplementar à imaginação.
Em Paris, a LUSA tinha como correspondente permanente um jornalista de prestígio incontestável: Pedro Rosa Mendes. Custava, ao todo, 11.000 euros por mês. Era caro. Portanto saiu. Foi trocado por uma jovem portuguesa de terceira geração, recrutada localmente, que se contentou com 900 euros mensais sem quaisquer encargos adicionais para a agência.
Outro exemplo: garantir o turno da noite na Sede, em Lisboa, era caro. Pagamentos a dobrar, etc. Solução: o turno da noite ficou reduzido a um número ínfimo de jornalistas que passou a ser coordenado a partir de Macau. Quando aqui é noite, em Macau é dia. Logo, desaparecem os custos adicionais devidos a um trabalho fora de horas.
Ainda não aconteceu, felizmente, nenhuma tragédia nocturna que permita testar este procedimento, sem dúvida astucioso.
Falemos agora, muito sucintamente, do regime de tutela a que a LUSA está submetida. A LUSA depende, em simultâneo, do Ministério da Cultura e do Ministério das Finanças. Depende do Ministério da Cultura que, visivelmente, não dispõe de muita informação, não dispõe de um histórico sobre a agência. Com efeito, nos anos anteriores, a LUSA, como todo o sector da comunicação social, dependia dos ministros para os Assuntos Parlamentares – Jorge Lacão e Miguel Relvas - e, em seguida, do ministro-adjunto e do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro. Ao assumir a pasta da Cultura, no XXI Governo constitucional, João Soares herdou a comunicação social. O pouco tempo que esteve em funções não lhe permitiu, porém, estudar convenientemente o dossier da agência. E a tarefa ficou para o novo ministro, Luís Filipe Castro Mendes.
Enfim, a agência depende também do Ministério das Finanças. Mas, na conjuntura actual, seria estultícia pensar que se focaliza, na agência, o essencial das preocupações desse Ministério.
Estas e outras razões fazem com que, qualquer decisão a tomar, demore uma eternidade e que a burocracia atinja proporções desmesuradas.
Apenas dois exemplos:
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O Orçamento e Plano de Actividades da LUSA para 2016 foram aprovados em … Outubro de 2016
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A LUSA guia-se ainda pelo contracto de concessão do serviço público que caducou em 2015. Desde então para cá nada existe, formalmente instituído, quanto às obrigações a cumprir pela LUSA em contrapartida do apoio financeiro que recebe do Estado. Um novo contracto está, segundo parece, pendente da aprovação pelo Tribunal de Contas.
O Governo actual acaba de repor a dotação orçamental a favor da LUSA nos níveis em que ela se encontrava antes das restrições impostas em 2012.
É uma boa notícia.
Mas os 12,8 milhões de euros que a LUSA vai receber por ano, até 2019, não permitem grandes ambições em termos de expansão das actividades.
A curto e a médio prazo, a LUSA precisa de modernizar o seu equipamento já que a maioria dos órgãos de comunicação social, ao investirem em edições online, exigem qualidade que a LUSA já não está em condições de garantir.
Precisa de rejuvenescer e de requalificar o seu quadro de jornalistas, adaptando-o às novas formas de produção que as tecnologias de informação e comunicação oferecem. Note-se, a este propósito, que a LUSA nem pode recorrer a estagiários profissionais, salvo autorização a título excepcional, do Ministério das Finanças, sempre difícil de obter.
Precisa, em termos salariais, de introduzir algumas melhorias, nomeadamente no que toca ao respeito pelo princípio da igualdade de género. O salário médio do trabalhador masculino da LUSA, é 21% superior ao salário médio do trabalhador feminino.
Precisa, no plano nacional, de assegurar a cobertura integral de todo o território: condição indispensável à materialização do conceito de “serviço público”. Essa cobertura integral implica fortalecer a rede de correspondentes locais e apoiá-los de modo mais eficiente (a falta de apoio aos correspondentes locais torna-os mais vulneráveis à influência dos poderes autárquicos e empresariais). Implica, ainda, reabrir delegações nas capitais de distrito mais significativas.
No plano internacional, a LUSA precisa de reforçar a sua posição em países onde existe uma forte comunidade portuguesa ou com os quais Portugal mantém relações económicas privilegiadas. Não há uma delegação no Brasil. Não há uma delegação em Paris.
Não há uma delegação em Londres. Não há uma delegação em Berlim. Não há uma delegação em Nova Iorque. Nem delegações nem correspondentes em dedicação exclusiva. Apenas colaboradores em tempo parcial, com os inconvenientes que daí advêm quanto à qualidade do serviço prestado.
Precisa de negociar parcerias com outras agências estrangeiras, mesmo de pequenas dimensões, mas cobrindo regiões de interesse estratégico especial. Parcerias que podem incluir o fornecimento, a preços simbólicos, de conteúdos mediáticos sem grande valor comercial. Sempre é uma maneira de fazer falar de Portugal. O que não é despiciendo, numa altura em que o nosso país se afirma como destino turístico por excelência.
Precisa de saber que está ao abrigo de qualquer tentativa de privatização. A eventual privatização da LUSA é um absurdo. Mas trago a questão para aqui porque já houve, no passado recente, tentativas de negociação nesse sentido. Primeiro com a agência espanhola EFE. Depois com empresários angolanos. E paira sempre a hipótese de uma entrada de capitais chineses, directamente, ou indirectamente através de algum dos associados principais da LUSA como é o caso da Global Media. Acrescente-se que, nos Estatutos da LUSA, não existe, segundo creio, nenhuma cláusula que assegura a prevalência do Estado na repartição do capital. Hoje, o Estado é maioritário. Amanhã, poderá não o ser.
E, sobretudo, a LUSA precisa de saber, com clareza, aquilo que o Estado espera dela. Daí a urgência em que seja assinado o contracto de concessão.
Pelo que me foi permitido observar, os órgãos representativos dos trabalhadores – Conselho de Redacção, Comissão de Trabalhadores e delegações sindicais – funcionam. Depois de uma fase de desânimo, a esperança parece ter voltado para a maioria dos 256 assalariados da empresa, dos quais 201 com carteira profissional de jornalista.
Mas, na ausência de uma clara manifestação de vontade política, as expectativas positivas rapidamente se desvanecem.
(Recupera-se a comunicação apresentada por José Rebelo na Conferência sobre «Modelo de agência noticiosa e informativa de interesse público – o caso da Agência Lusa» , proferida no dia 28 de Março, na Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto da Assembleia da República, atendendo à sua actualidade perante os acontecimentos recentes naquela Agência).