Uma velha educação tradicionalista e beata proibia esse pequeno prazer, capaz de excitar a imaginação dos jovens, através de aventuras inventadas e transformadas em quadradinhos coloridos, que falavam de heróis e bandidos, jovens aventureiros, meninas em perigo e rapazes valentes e desembaraçados – tudo isto em doses moderadas, que a Censura até ali estendia o seu lápis regulador e atento, para que não se enveredasse por aventuras que cheirassem, nem que fosse ao de leve, a “pouca-vergonha”…

 

O que é certo é que O MOSQUITO, esse jornalinho de poucas páginas, poucas cores, e ainda por cima baratinho (custava cinco tostões!), se tornou, de repente, num autêntico “vício” para os miúdos dessa época em que o passatempo mais excitante que tinham à sua disposição seria, talvez, o jogo do berlinde!...

 

E agora tenho de inserir a minha “declaração de interesses”, que me leva a vir aqui falar desse “semanário da rapaziada”, como era apresentado logo na capa. É que eu tive a sorte de ter um pai especial, que adivinhou o altíssimo interesse que o jornalinho poderia despertar em mim, miúdo que ainda não andava na escola e, por isso, nem sequer podia ler os textos ali publicados. Mas podia, isso sim, ver os bonecos, ir seguindo as aventuras do herói Rob e do seu submarplano, viajando “Pelo Mundo Fora”, ou seguir o percurso glorioso do “Gavião dos Mares”, ou ainda as tropelias cómicas dos divertidos “Serafim e Malacuéco”.

 

 

Não sabia ler? Mas sabia insistir com toda a gente, os de casa e as visitas, para me lerem em voz alta as legendas, uma e outra vez, tantas vezes até as decorar e, com isso, começar a reconhecer letras e palavras. E assim, quando finalmente fui para a Escola Primária, já conseguia ler bastante bem, e até saltei a Primeira Classe e entrei directamente para a Segunda… Isto é: devo ao MOSQUITO o favor de me ter ensinado a ler! E isto é algo que não se esquece nunca…

 

A HISTÓRIA D’O MOSQUITO

Vou apenas abordar, de forma muito sumária, a forma como nasceu este mítico jornalinho, e como ele se manteve vivo durante décadas, em fases sucessivas, umas bem sucedidas, outras não. Quem estiver interessado em ficar a conhecer o seu percurso, com todos os pormenores, encontra tudo muito bem explicado, em diversos meios que menciono no final do texto.

O que aqui vos deixo é apenas – repito – uma recordação pessoal, uma opinião de cariz sentimental, sem se atrever a entrar na história pormenorizada do jornalinho que fez a felicidade de muitos miúdos da minha idade.

Aqui vão, então, apenas alguns tópicos essenciais dessa história.

 

O MOSQUITO foi fundado por dois homens que souberam juntar as suas respectivas capacidades, para produzirem um jornalinho que viria a tornar-se um verdadeiro ícone. O primeiro número saiu a 14 de Janeiro de 1936, com uma tiragem de 5.000 exemplares, que rapidamente subiu para 10.000 e chegaria mesmo, mais tarde, aos 60.000, algo espectacular para a época.

 

António Cardoso Lopes tratava da parte gráfica (foi ele que desenhou a capa do primeiro número), com a mesma competência que já aplicara em publicações onde trabalhara anteriormente, como o Tic-Tac, o Có-Có-Ró-Có, onde fora responsável pela direcção artística, além de ter colaborado no ABCzinho, no Pim-Pam-Pum e noutros.

 

Quanto a Raul Correia, o seu caso é singular. A sua facilidade em escrever para a juventude, numa linguagem simples mas correcta, vinha talvez do facto de ser pai de oito filhos, a quem, segundo parece, se habituara a contar histórias. A sua vida particular era, porém, muito reservada, e dela pouco se sabe. Já quanto à vida pública, não podia esconder o facto de ser director do grande hotel Avenida-Palace, onde tinha contacto com muitos hóspedes estrangeiros, particularmente no tempo da 2ª Grande Guerra, quando Lisboa era refúgio para muitos europeus fugidos das batalhas. Isso deve ter-lhe dado as bases para a facilidade que manifestava na tradução das aventuras que eram publicadas em países como a Inglaterra, a Bélgica e outros. Mas, para além das traduções, o seu domínio da língua portuguesa era notável, particularmente na facilidade em escrever com simplicidade e, ao mesmo tempo, com graça. Os seus versos e as suas “prosas rimadas” eram tão fáceis de entender e de encantar os leitores miúdos, que estes se habituaram a deliciar-se com as histórias assinadas pelo “Avozinho”, com as legendas das pranchas com aventuras e, até, com os títulos que ele engendrava – por exemplo, para encimar as história do “Pedro de Lemos, Tenente, e o Manel, Dez-Reis-de-Gente”…

 

A colaboração entre estes dois fundadores iria manter-se por muitos anos, e só terminou quando Cardoso Lopes, por razões nunca bem esclarecidas, emigrou para o Brasil, e Raul Correia teve de encontrar outro sócio. Ligou-se então a António Homem-Cristo, o patrão da ”Editorial Organizações”, que era a empresa distribuidora d’O Mosquito. A partir de então, o tipo de histórias mudou bastante, trocando o estilo mais juvenil por outro que pretendia ser mais “sério”, incluindo mesmo vidas de santos... O público deixou de encontrar, nas páginas d’O Mosquito, os seus heróis preferidos, como, por exemplo, o famoso Cuto.   

A fase mais brilhante d’O Mosquito foi aquela em que teve como colaborador um Artista de altíssimo nível, chamado Eduardo Teixeira Coelho, que assinava ETC e produziu páginas brilhantes, durante anos sucessivos, entre as quais não se pode deixar de citar as pranchas de “O Caminho do Oriente”, que era a história da viagem de Vasco da Gama, contada por um garoto que teria acompanhado essa grande aventura a bordo das naus que foram à Índia.

 

Além deste, muitos outros ilustradores fizeram d’O Mosquito, sem dúvida, o mais popular e o mais interessante jornal infantil português de sempre, durante as suas várias épocas, em que mudou de aspecto (por exemplo, durante a guerra, reduziu o formato, por causa da escassez de papel), e passou por imensas transformações, impossíveis de resumir num texto como este.

 

Por isso, a quem esteja interessado em conhecer, com todos os pormenores, a longa, complexa e brilhante história d´O Mosquito”, recomendo as seguintes vias:

 

 

* Consultar o precioso livro “O MOSQUITO – 60º ANIVERSÁRIO” – Edições Época de Ouro” – Editor Carlos Costa* – Coordenação Jorge Magalhães.

(*Este Carlos Costa é igualmente conhecido por ser um dos eternos componentes do popular “Trio Odemira”).

* Procurar na Net “O VOO DO MOSQUITO”, onde se encontra ampla informação.

O respectivo link é este: https://ovoodomosquito.wordpress.com/

* Consultar “O GATO ALFARRABISTA”, com o link https://ogatoalfarrabista.wordpress.com/

* Consultar o livro “Os Comics em Portugal – Uma história da Banda Desenhada”

– Autores António Dias de Deus e Leonardo De Sá.

* Consultar o Catálogo “O Mosquito – Uma Máquina de Histórias” – Baseado numa tese de mestrado de Cristina Gouveia, que organizou e escreveu os textos, com Sara Figueiredo Costa, José Ruy, Jorge Magalhães e Leonardo De Sá.– Exposição C.M.Amadora 2006/2007.