Os jornalistas do Grupo Global Media estiveram muitas semanas sem receber salários e outras prestações devidas pela entidade patronal. Uma situação inaceitável, que este “site” do Clube Português de Imprensa tem acompanhado de perto.

Desde logo, ficou claro que a legislação portuguesa sobre proprietários de empresas de media necessita de uma revisão urgente, tornando mais exigentes os requisitos para se ser proprietário, em parte ou no total, de uma empresa deste sector.

Pelos vistos, a legislação atual não permite conhecer sequer quem são todos esses donos – todos os acionistas da Global Media, por exemplo.

Ninguém investe hoje em jornais, rádios ou televisões na mira de obter lucros. A intenção é normalmente outra – influenciar as notícias, por exemplo. Ou mera vaidade.

É certo que existe entre nós, desde 1990, um jornal, o Público, que desde a sua fundação é propriedade de um importante grupo empresarial, o grupo Sonae. Mas o líder da Sonae, Belmiro de Azevedo, teve a lucidez de não interferir na linha editorial do jornal.

E os herdeiros de Belmiro têm sabido manter essa atitude nobre e inteligente. Se o Público fosse uma espécie de porta-voz dos interesses empresariais do grupo Sonae não teria atingido o estatuto de jornalismo sério e independente de que merecidamente goza. Mas é um exemplo dificilmente repetível entre nós.

O escândalo Global Media suscitou uma torrente de comentários e sugestões. Até da parte, naturalmente, de um congresso de jornalistas.

O problema atual do jornalismo é fácil de equacionar – sendo o jornalismo indispensável à vida democrática, ele deve ser apoiado financeiramente, mas sem beliscar a independência dos jornalistas. Mais difícil será concretizar esta dupla exigência.

O problema é comum a todas as democracias liberais – as iliberais, que não são afinal democracias, usam os media para propaganda do poder político. Veja-se o regime húngaro. V. Orban, o autocrata
de Budapeste, arranjou um esquema que dispensa a censura prévia, ao entregar a amigos políticos a propriedade ou, pelo menos, a gestão das principais empresas de media da Hungria.

O Governo português mostrou-se atrapalhado pelo caso Global Media. E não avançou com qualquer solução, talvez por ser um executivo que não dispõe de plenos poderes. Mas os próximos governantes podem e devem desde já informar-se sobre o que fazem vários países europeus quanto a apoios a
órgãos de comunicação social em crise financeira. E sobre como salvaguardam a independência dos jornalistas em empresas apoiadas.

Então convém que quem for Governo a partir dos resultados eleitorais de 10 de março próximo se prepare para apresentar uma saída para este caso. E, já agora, que atualize a muito insuficiente
legislação nacional sobre a matéria. Seria francamente desagradável festejar os 50 anos de democracia instaurada pelo 25 de abril com esta ferida aberta e a sangrar.