Com o tempo, como tudo na vida, uns e outros perceberam o que estava a acontecer. Não de forma simultânea, porque cada pessoa tem o seu ritmo, mas podemos dizer que de forma bastante homogénea. Quem marcou o ritmo da transformação? É difícil dizer. Meios e leitores foram-se influenciando cada dia.

 

Lembro-me ainda quando comecei o meu percurso como correspondente em Portugal. A edição online do ABC permitia-me ler os artigos enviados para a edição em papel, porque eram exactamente os mesmos. Eu enviava só os meus trabalhos via email e alguém os colocava também na web. Ao fim de 14 anos devo dizer que, se não fossem os artigos elaborados exclusivamente para a web, em alguns meses pouco publicava. A edição em papel começou a ter cada vez menos páginas e tornou-se difícil ganhar um espaço.


A mudança foi gradual, com alguma reserva da minha parte. E após esta experiência, era eu quem criava a notícia na web, para ser publicada no momento, muitas vezes, com fotos realizadas e editadas por mim.

 

As redacções precisaram de muito tempo de adaptação para esta transformação digital, mas considero que, neste ponto, quase todos os meios falharam. Os jornalistas mais antigos do quadro, alguns com boas posições e salários, começaram a conviver com as novas contratações, jovens com pouca experiência, mal pagos, que escreviam unicamente para a web.


A qualidade dos conteúdos online só podia ser pior. Depois, os que escreviam em papel foram “obrigados” a fazer conteúdos “extra” para a edição digital. Ainda agora cada jornal procura a melhor forma de gerir estas duas redacções. Quase todos tentam falar de uma única redacção mas ainda existem muitas diferenças. Conseguirá El País e os outros jornais ter uma só?

 

Também, com o passar dos anos, os leitores foram mudando os seus hábitos de leitura. Além dos computadores os tablets e os smarthphones estão em quase todos os lugares, e é através deles que as pessoas consomem muita informação. Muitos quiosques espanhóis já fecharam, como noutros países, e os que se mantiveram sentiram uma queda enorme nas vendas. Muitos de nós gostamos ainda de ler o jornal em papel, mas a presença dos meios digitais é tão forte que, sem querer, deixamos de comprá-lo. A transferência de leitores do papel para o digital é constante.

 

Os planos de El País são lógicos. Dentro de uns anos, a queda das vendas será ainda maior e os seus responsáveis decidiram avançar na construção de um grande meio digital, de cobertura global, que possa responder às exigências dos novos e futuros leitores. Com um matiz importante, "esse meio é e será cada vez mais americano", por ser na América que o jornal mais cresce e tem hoje "uma expansão mais prometedora". Um jornal não deixa de ser uma empresa e os interesses económicos vão sempre à frente.

 

Por falar das mudanças no jornalismo em Espanha, temos um outro exemplo muito recente, El Español, dirigido pelo ex-diretor de El Mundo, Pedro J. Ramírez. Desde o início, foi criado como um jornal digital. Não existe a edição em papel. Mas deram um passo em frente. Uma parte do projecto (conteúdos pagos), foi desenhada a pensar nos leitores de tablets e smarthphones e o formato acaba por lembrar os jornais de sempre.


Neste caso, sim, podemos falar de uma única redacção, muito focada no jornalismo de investigação. O tempo dirá se Pedro J. voltará a fazer história no jornalismo espanhol.  E, também, surgem novos jornais digitais, alguns melhores do que outros, a tentar ganhar o seu espaço no mercado. Há espaço para todos? Isso está por ver.

 

Acho que não vale a pena definir prazos para a extinção dos jornais em papel. A própria sociedade vai marcar os ritmos e as formas. Será total? Será radical? Provavelmente, será gradual e diferente em cada meio. Mas vai acontecer.