Uma estação terrena que mudou a TDM
À distância de mais de três décadas, nem Macau era o que é hoje, nem a TDM - Teledifusão de Macau dispunha dos meios necessários para cumprir a contento a sua principal missão no território, inscrita naquela que era, desde o lançamento, a sua vocação matricial, de difundir a língua e a cultura portuguesa.
Por isso, o dia 9 de Setembro de 1993 foi e é uma data marcante e de referência na TDM, por corresponder à inauguração em Macau da estação terrena da RTP Internacional, que contribuiu para o reforço identitário do Território.
Recordo o momento com alguma nostalgia, pela importância de que se revestiu esse passo para a RTP Internacional, em estreita ligação com a TDM — presidida, à época, por Maria do Carmo Figueiredo — e com o governador do território, general Vasco Rocha Vieira, a quem caberia, mais tarde, fechar o longo ciclo colonial e recolher a Bandeira Portuguesa, levando-a ao peito num gesto de grande simbolismo, marcando o adeus da administração portuguesa em Macau.
Seja-me permitido evocar, também, o nome de António Freitas Cruz, então presidente da RTP, que assumiu o alargamento da difusão da RTP Internacional como uma prioridade do seu mandato, correspondendo à urgência de chegar mais longe e desta forma transformar o operador público num elo de ligação fundamental — uma verdadeira ponte — com as comunidades portuguesas repartidas pelo mundo.
Ao inaugurar, presencialmente, a nova estação terrena de Macau, diria Freitas Cruz que a RTP estava a cumprir “um grande desígnio e um grande percurso”, considerando, por isso, a cerimónia, como “um momento digno da história”. E foi.
Por coincidência, o ano de 1993 seria fértil em acontecimentos mediáticos, tanto no plano nacional como internacional.
Em Portugal, foi o ano que assinalou a privatização da Rádio Comercial e o início das emissões da TVI, a segunda televisão privada autorizada, que pertencia então à Igreja Católica.
No plano internacional, surgia a Euronews, um canal de televisão europeu de notícias, projecto ao qual a RTP esteve ligada desde o início.
A estação terrena da RTP em Macau cedo demonstrou as suas virtualidades e, logo no primeiro dia de actividade, retransmitiu, em directo , um importante jogo de futebol, que obrigou muita gente da comunidade portuguesa a deitar-se madrugada alta, por causa da diferença horária, ou mesmo a não se deitar. Foi uma estreia auspiciosa.
No dia seguinte, o jornal “A Tribuna de Macau “, um dos mais antigos diários em língua portuguesa, assinalava, na primeira página, que Portugal tinha ficado “mais perto com a chegada da RTP-1”, graças à estaçãoterrena que implicara um investimento de 4,6 milhões de patacas, suportado, além do operador publico, pelos Governos de Macau e de Portugal. Não era de somenos.
Com a incerteza a pairar no período que antecedeu a transferência do território para a administração chinesa, em 1999, houve muitas famílias que decidiram regressar a Portugal. Outras, porém, resistiram e ficaram.
Esse número foi minguando e, conforme revelava o Censos de 2021, habitavam ainda o território quase nove mil pessoas de nacionalidade portuguesa, às quais se juntavam mais de 13 mil residentes, que possuíam ascendência portuguesa.
Pude voltar ao território, em abril de 2017, a convite de “A Tribuna de Macau” e do seu titular, José Rocha Diniz, para me associar ao 35º aniversário do jornal.
Nos contactos que mantive com a comunidade portuguesa, consolidei, nessa altura, a ideia de que, ultrapassada a dúvida inicial, a maioria tencionava permanecer no território e muitos já tinham famílias reconstituídas.
Na conferência que então proferi no Clube Militar – uma instituição de referência para os portugueses -, e na qual defendi que Imprensa de proximidade poderia salvar o futuro do jornal em papel, dava como exemplo a realidade de “uma rica e polícroma paleta de jornais que acompanham a diáspora e se publicam em língua portuguesa”.
E citava “A Tribuna” como um dos casos a merecer estudo e análise de “malha fina”. Não é, felizmente, o único veículo em língua portuguesa que resiste no território.
De facto, tanto a TDM, com os seus canais bilingues de televisão e de Rádio, como outros periódicos editados regularmente, contribuem para a sobrevivência da língua portuguesa em Macau, que ali resistiu durante quase cinco séculos e ainda hoje é o pretexto para uma romagem e simbólica homenagem a Camões, junto à gruta no jardim que tem o seu nome.
A Imprensa local, secundada pela TDM através das suas emissões diárias em português, ilustram bem a vitalidade da língua portuguesa em Macau.
Os 40 anos da TDM são uma oportunidade soberana para reflectir sobre a sua importância e o futuro, tanto pela informação como pelos valores culturais que difunde, constituindo um abraço afectivo partilhado com os portugueses residentes.
Só por isso valeu a pena o esforço e o empenhamento da RTP, preservado até hoje, ao dotar a TDM com a estação terrena, um equipamento fundamental para a captação das emissões oriundas de Portugal e dos respectivos conteúdos de informação ou de entretenimento.
Para os portugueses, longe do berço de origem, tratou-se de um passo significativo, aproximando-os mais da Pátria, e provando-lhes que não estavam esquecidos, e que terão fundadas razões para continuar, orgulhosamente, a escrever uma história multisecular à beira do delta do rio das Pérolas.
(Excertos da intervenção proferida no Centro Cultural e Científico de Macau, em Lisboa, enquanto antigo administrador da RTP, na sessão comemorativa dos 40 anos da TDM)