Jornalismo para a Globalização
Os despedimentos colectivos ou aparentados têm-se sucedido, um atrás do outro, ao ritmo dos ciclos políticos e das diferentes fases da crise global iniciada em 2008, revelando a que ponto os órgãos de comunicação social estavam reféns das redes e sub-redes dos poderes político e económico. Os jornalistas vão para casa ser desempregados ou precários colaboradores de quem ainda lhes dá de vez em quando trabalho pontual, as mais das vezes pagos com a mesma indignidade com que a profissão tem vindo a ser presenteada pela generalidade da sociedade.
Nas tevês e nos jornais que subsistem espelha-se a decadência do jornalismo português, que não interessa às gerações mais novas, que não mostra e/ou interpreta com a necessária sistematização o que se passa no Mundo (e desde logo o que se passa na Europa, onde os fascismos florescem perante a indiferença dos media), que se limita a “servir” ao público os press-releases e outras informações tal como foram recebidas (de que é exemplo o tratamento que tem sido dado ao anúncio dos montantes movimentados pela rede MB em Portugal, sendo certo que jornalismo seria outra coisa: saber quantas pessoas movimentaram esses montantes, na certeza de que são cada vez menos e que a desigualdade encontra também aí valiosos e válidos indicadores), e que no essencial continua amarrado a uma velha maneira de pensar o Mundo: uma maneira em que Portugal é o Mundo. O que explica que os jogos de futebol, as peregrinações a Fátima e o entretenimento ligeirinho (em que também cabe a política doméstica caseirinha, claro) dominem.
Enquanto isso, sucedem-se os debates em torno do tema da crise do jornalismo, cujos grandes assuntos são sempre os mesmos: o que fazer, como fazer, a necessidade de investir em jornalismo de investigação e na reportagem, e, claro, importantíssimo, os modelos de negócio que poderão vir a sustentar o jornalismo no futuro. Tudo isso está muito bem e é sem dúvida necessário, mas os resultados de todo esse pensamento e de todos esses conhecimentos e experiências tardam. E tardam porque, do meu ponto de vista, os jornalistas ainda não perceberam que, para além das questões das formas e do financiamento do jornalismo, o Mundo em que Portugal era o centro desapareceu. E desapareceu para sempre.
O único jornalismo com possibilidades de vingar de forma sustentada no longo termo, e tendo ademais uma capacidade inédita de resistência às mais tradicionais pressões das classes particulares (políticas, económicas, venham elas de Lisboa, Luanda, Brasília, Bruxelas ou Washington) que habitualmente usam o jornalismo para servir os seus interesses (com o assentimento comprometido de muitos jornalistas que fazem o que for preciso para manterem os seus empregos) será aquele que põe o território português e o que lá se passa no relativamente pequeno lugar que lhe foi destinado pela Globalização.
Um jornalismo que percebe que o único verdadeiro activo (para usar o jargão dos tempos) que detém é a Língua portuguesa. Isto é, o idioma (mas também as suas diferentes identidades e culturas) partilhado pelos 250 milhões de falantes do Português espalhados pelo Globo a quem pode interessar um jornalismo atento e de qualidades intrínsecas, capaz de noticiar, investigar, fazer reportagem sobre todas as sociedades do Mundo. Jornalismo em Português, sobre tudo o que se passa no Mundo. Um mundo em que cabe, necessariamente, Portugal – o seu território, povo, cultura. E inelutavelmente feito em rede, mediante parcerias de colaboração com outros órgãos de comunicação social do Mundo e em que pontuará uma nova e importantíssima classe profissional: a dos tradutores .