Depois apareceram os títulos económicos, demasiados para tão pequeno mercado de leitores, revelando a que ponto emanavam de projectos de intervenção (no sentido da instrumentalização) na sociedade que nada tinham que ver com o jornalismo. Apareceram e tomaram conta de uma parte grande do pequeno mundo jornalístico fixado no território europeu continental português. Despedidos os jornalistas do texto longo e da investigação, recrutaram-se estagiários remunerados a três patacas, a quem se entregou a responsabilidade de alimentar os feeds noticiosos da economia do Globo. Tudo o resto secou, muito especialmente a cobertura jornalística às artes, consideradas despiciendas para os novos exploradores de oportunidades de negócios via media – erradamente, pois a Cultura é comprovadamente um sector cheio de futuro económico.

Um dia acordámos e descobrimos que já não havia pensamento crítico de nenhuma espécie, e que as artes especialmente efémeras – como o teatro, ou a música – se haviam tornado ainda mais passageiras pelo facto de não serem já objecto de documentação através da inscrição mediática (sobretudo escrita). Suprimiram-se os colaboradores que anteriormente se dedicavam a escrever com sistematização sobre literatura, música, teatro, cinema. Os ofícios de arte e os temas de política cultural desapareceram do jornalismo. Apenas a gestão da Cultura interessava. Quem conseguia gerir melhor, i.e., quem conseguia lançar mais foguetes com menos dinheiro – mimetizando o que passara a ser feito no plano da governação política, com os Estados e as Nações a ser reduzidos à sua nova dimensão de realidades análogas às empresas e aos mercados, respectivamente.

Nenhuma perspectiva de longo termo, tudo ancorado num presente contínuo sem aparente relação nem com o passado (uma realidade anacrónica em demasia para sociedades cuja auto-representação assenta no juventismo – até mesmo quando a curva do envelhecimento populacional revela algo completamente distinto **), nem com o futuro (uma inexistência, uma abstracção dissociada de qualquer princípio da realidade, dizem-nos os presentistas, o futuro sendo entendido como uma utopia, e nesse sentido sem qualidades ontológicas, sugerem-nos, num desprezo muito questionável pela engenharia das possibilidades que efectivamente constitui toda a utopia).

Tudo (ou quase tudo) na mediatização da Cultura passou a ter a forma de listas, rankings, estrelas, restringindo-se os temas à actualidade e usando-se a memória com valor histórico como mero recurso narrativo desse jornalismo rápido de entretenimento. As pessoas não têm já capacidade para se focarem mais do que umas tantas linhas ou minutos, diz-se e repete-se, e convém por isso dar-lhes uma papa já feita, e em pequenas colheradas, para não enjoar. Quem quiser doses maiores, que compre as pequenas publicações de nicho – quase todas sem excepção mantidas à custa de muita carolice, pedinchice e outras misérias que tão negativamente afectam o jornalismo, e que são especialmente graves quando entramos no segmento (para recorrer à linguagem oficial dos tempos) das artes – de que é exemplo maior a aplicação nesses media especializados, com voluntarismo, até, do chamado Acordo Ortográfico (um acordo de incidência económica celebrado entre o bloco central PS/PSD e uma pequena mas poderosa agremiação de editores e dicionaristas).