Há um jornalismo brasileiro inteligente e com história, ouvi esta frase e concordo. Há uma resistência que se mantém firme aos princípios deontológicos da profissão, embora sufocada no meio daqueles que, apesar de também inteligentes, se especializaram em manipular informação, condenar, julgar e embutir nas audiências um sentimento de revolta (com a “crise”) ou de complacência (com o que está ocorrendo). Essa indução social, tem a Rede Globo como o principal símbolo de uma mídia manipuladora a agir no Brasil há décadas, a exerce influência pública desde o Golpe Civil-Militar de 1964. Um golpe que a  Rede Globo apoiou e impulsionou durante mais de 20 anos. 

É um prejuízo a democracia, meios de comunicação que usam seu acesso diário ao cidadão para impregnar uma informação com destaque a manutenção de um establishment midiático, tendo em vista que 98% da população urbana brasileira[1] assiste televisão, mais de 50% não tem acesso a internet. Um histórico que insere pressão midiática sobre agendas do governo, legislativas e judiciárias, estimula idolatrações a personagens, como foi o caso do juiz Joaquim Barbosa e, mais recentemente, do juiz Sérgio Moro, na proposta de idealização de possíveis “salvadores” de uma pátria cansada de tantos casos de corrupção. O que as empresas de comunicação não contam é que a corrupção não foi algo criado nos últimos 16 anos. Mas a audiência não é burra, embora haja quem pense assim. O que falta a audiência são mecanismos de defesa sobre o que são realmente os meios de comunicação, a imprensa e como integram a vida do país.


Há uma responsabilidade do governo em permitir a existência deste tipo desvio na comunicação social por várias razões. Pela inabilidade de estabelecer critérios de regulação dos Media, na não divisão regionalizada e integradora de mídias publicitárias públicas, na falta de políticas públicas que garantam a manutenção dos meios de comunicação e imprensa livres e independentes, por possuir uma empresa de comunicação pública, equivocadamente estatal, que se assemelha a um elefante, grande e lento, nas respostas que deveria dar a população. Um grave equívoco do governo, destes últimos 16 anos, tem sido de não entender o relevante papel de uma empresa pública de comunicação para a democracia e para o equilíbrio midiático.


O problema se agrava ao observarmos a base da formação jornalística, de modo geral, as faculdades de comunicação usam a Globo como “modelo de jornalismo” e de meio de comunicação exitoso, assim como outros veículos comerciais que seguem a mesma linha. É a chamada “formação para o mercado”, que exclui do “mercado de trabalho” a comunicação pública, com tendências a idolatrar a comunicação privada e reforçar o equívoco de que comunicação pública é apenas aquela realizada pelo governo.


A diversidade de opções, possíveis e existentes, não é apresentada como espaço de trabalho ao futuro profissional: um país com uma radiodifusão educativa-cultural composta de 214 geradoras de TV, 1.536 retransmissoras de TV e mais 543 emissoras de rádio, a maioria FM, espalhadas por todo o país[2], com mais 95 canais comunitários no sistema de TV por acesso condicionado e 4.641 rádios comunitárias presentes em 3.935 municípios.


Em 2015, o alerta foi dado pelo Observatório Latino-Americano das Indústrias de Conteúdos Digitais, OLAICD, com a Campanha Inclui Comunicação Pública, na proposta de integrar esta disciplina como obrigatória nos currículos das faculdades de comunicação do país, em um ano em que as grades curriculares estavam sendo atualizadas. Porém, houve poucos resultados práticos na vida do futuro jornalista, já que várias universidades decidiram oferecer a disciplina como optativa ou complementar e outras deram ênfase, a meu ver equivocado, na comunicação pública apenas como espaço de comunicação de governo.


Na sequência da semana em que a Rede Globo pediu direito de resposta ao The Guardian, sobre uma matéria redigida pelo jornal inglês nos moldes de uma imprensa séria e imparcial, valeria aqui um destaque sobre o importante papel que a imprensa internacional tem tido em mostrar a realidade sobre o Brasil, aos jovens estudantes de comunicação social e ao povo brasileiro. Eu, da minha parte, agradeço.



[1]     Segundo IBGE, 2014.

[2]       Em SEI – Sistema Eletrônico do Ministério das Comunicações, Espaço do radiodifusor,  http://www.comunicacoes.gov.br/espaco-do-radiodifusor/radiodifusao-educativa-e-consignacoes-da-uniao, consultado em 29/09/2015

 

Nota: A jornalista  Alice Campos foi convidada pelo Clube Português de Imprensa para escrever nesta coluna sobre o momento actual dos media brasileiros, perante a crise politica que se desenrola naquele país. Publicamos a sua segunda crónica, respeitando integralmente a ortografia original.