A informação automóvel é um dos mais interessantes fenómenos da imprensa de nicho em Portugal. Envolve um número reduzido de títulos e de profissionais mas tem uma qualidade que, no cotejo, não desmerece da concorrência internacional, apesar de serem bem diferentes os meios ao dispor. Mas nem isso serve para lhe rasgar um horizonte livre de nuvens negras, tal como acontece em relação à generalidade da imprensa.
Num quadro que não surpreende, a maioria dos títulos pertence hoje a grupos de comunicação  – nenhum dos mais importantes, é verdade  –, e os poucos que ficam de fora procuraram o percurso inverso, tentando diversificar as áreas de expansão numa batalha feroz pela sobrevivência, cujo desfecho, porém, custa prever. Não faltam também as apostas em sinergias externas, com um grupo espanhol a editar uma mensal “low cost” que vive, fundamentalmente, de textos traduzidos  -  com êxito de mercado considerável (lidera as vendas com grande vantagem).

Despedimentos, reduções de vencimento, grandes cargas horárias numa actividade que vai muito além da escrita, marcam os tempos recentes nas redacções das publicações especializadas na área do automóvel. É a forma de minimizar os custos de publicações com divulgação reduzida, diferenças pouco significativas nos números  – tiragens e vendas * –, percentagens de ocupação publicitária em queda continuada  – as marcas, as suas campanhas e pouco mais. E esta é uma razão de queixa dos empresários de sector, que aceitam menos bem o que parece um crescente desinteresse de construtores e importadores na mensagem publicitária através do papel, nas publicações que mais fazem pela promoção do sector.

A imprensa automóvel tem a sua expressão mais relevante em dois semanários  – há um terceiro virado fundamentalmente para o desporto e que, como este, tem pouca expressão  –  e três revistas mensais. Resta um programa de televisão, com audiências reduzidas, sustentado por um patrocínio, não obstante serem relevantes os espaços publicitários do automóvel que invadem os canais, dos generalistas ao cabo. Registem-se duas experiências recentes falhadas na TV, uma em canal generalista, outra no cabo. Nem audiências, nem publicidade!

 

Aposta no digital

 

Concorrentes num meio muito sensível às novas tecnologias e ao digital, todas elas têm presença na Internet, com a actualidade própria do imediatismo possível (logo transposto paras redes sociais), em boas páginas com sítios pagos que atraem número de assinantes também ele pouco significativo. Os resultados são animadores, segundo os responsáveis por algumas destas publicações, mas só isso, numa base que está longe de ser garantia de fonte de rendimento no médio prazo. Contam, além disso, desde há algum tempo, com concorrência crescente, à qual as marcas começam a não ser indiferentes, que oferece, gratuitamente, grande volume de informação, com diferentes níveis de qualidade e de profissionalismo, tanto no critério da opinião como na forma e apuro do texto.

A valorização dos títulos acompanhou a evolução na preparação dos profissionais, a maior parte deles hoje com formação académica na área do jornalismo e não apenas os autodidatas e os engenheiros que alimentaram os primeiros jornais, muito virados para a técnica ou condicionados pelo desporto, antes de chegar a hora do produto, a informação pormenorizada sobre o automóvel. E nessa matéria há hoje conhecimento e profissionalismo dignos de registo!

(Ligado ao sector há mais de 40 anos, recordo o dia em que o chefe de redacção daquele que foi um dos títulos históricos, o já desaparecido “Motor”, perguntava, em roda de profissionais, se havia jornalistas dispostos a trabalhar naquela área, pois engenheiros já tinha muitos…  As publicações eram demasiado técnicas e pensadas numa perspectiva bem diferente do serviço ao consumidor que actualmente prestam, e com seriedade fundamentada apesar das pressões.)

A crise do sector automóvel em Portugal não pode dissociar-se do momento menos bom para as publicações especializadas desta área. Mas mesmo que as vendas retomem a normalidade para um país da nossa dimensão, e que as compras dos particulares ganhem relevo face ao mercado das empresas, dominante entre nós, o futuro está carregado de dúvidas.

É significativa, de todo o modo, a importância que as marcas, aqui e lá fora, têm dado às publicações digitais que, nas listas de convidados para as grande apresentações internacionais (é através delas que se garante a actualidade e o “pão” que alimenta os conteúdos), começam a deixar para trás algumas concorrentes do papel.

A pouca importância que parte da grande imprensa, diária e semanal, passou a dedicar ao automóvel, nalguns casos parecendo penalizar as quebras nas receitas publicitárias provenientes do automóvel, e o entendimento, errado, pelo menos para alguns em Portugal, de que este é um tipo de informação que envolve mais questões deontológicas do que escrever sobre outras áreas da economia, tem ajudado a dar força à migração para o digital.

Como será amanhã? É uma pergunta para a qual não há resposta.

Ninguém sabe se as publicações em papel podem resistir, no caso de vendas não aumentarem e se a publicidade faltar.

Ninguém sabe, também, como pode tornar-se mais rentável a actividade no digital, que, à primeira vista, corre o risco de ser um campo em que vão mover-se mais curiosos do que especialistas, alguns oportunistas e menos profissionais. Porque ninguém vive do ar e estas coisas custam dinheiro. E no jornalismo, hoje, não pode viver-se de “carolice”…

Enquanto isto, teimosamente, um excelente grupo de profissionais continua a produzir uma mancheia de publicações que deixam bem visto o jornalismo português. Resta saber até quando será possível?

 

* Os números mais recentes apontam para circulações pagas entre os  8000 e os 10500 exemplares nos títulos semanais e à volta dos 8000 e 9000 nas mensais, aqui com uma excepção a ultrapassar as 15000 cópias.