Hillary não foi derrotada pela RT America
O relatório foi primeiramente partilhado na sua versão integral e confidencial com um selecto grupo de líderes do Congresso, de ambos os partidos, além do presidente Obama e presidente-eleito Trump, e seguidamente com os media, em versão “desarmada”, ou seja, expurgada dos métodos de captação de dados usados para chegar às conclusões.
Para jornalistas e observadores da comunicação social, o aspecto mais mais interessante – e surpreendente - desse relatório (que representa o consenso dos 17 serviços de informação do governo americano, civis e militares) é o destaque dado às actividades da RT America: são-lhe dedicadas sete das 25 páginas do documento, além de várias referências noutros capítulos. Zack Beauchamp, no jornal digital Vox, comentou: “A RT é muito mais Importante do que pensávamos”.
O relatório caracteriza a RT como “a principal fonte internacional de propaganda do Kremlin”, e destaca que, segundo a própria imprensa russa, a RT “é a única empresa de comunicações russa associada da WikiLeaks”, e “proporciona a Julian Assange uma plataforma de ataque aos E.U.A”.
Que a RT America é um canal de propaganda anti-americana do Kremlin é sabido desde há muito. O relatório, no entanto, vai mais longe: no caso da recente eleição presidencial, a estação é acusada de ter sido um instrumento de comunicação ao serviço de um fim político específico e de uma campanha organizada para esse fim – o de ajudar a sabotar a candidatura de Hillary Clinton, acusando-a, por exemplo, de “corrupção, fraca saúde física e mental, e ligações com o extremismo islâmico.”
Vários políticos democratas e comentadores simpatizantes de Hillary, na sua procura desesperada de uma explicação para a derrota da candidata democrata, e na sua ânsia de impugnar a legitimidade da presidência de Trump, têm procurado usar o relatório como prova de que a eleição foi viciada pela “interferência” russa.
Não há qualquer indicação, porém, de que a contagem dos votos tenha sido vítima de manipulação e nenhuma das alegações da RT America foi original e exclusiva da estação. Foram simplesmente semelhantes às de muitos outros órgãos, sem qualquer ligação à Rússia.
A verdadeira questão, portanto, é porque razão a campanha da RT America teria maior peso na decisão dos eleitores do que o de outros media, com audiências vastamente superiores. A resposta é que não há motivos que levem a essa conclusão – e o próprio relatório, que zelosamente descreve a campanha da RT America, é totalmente omisso quanto ao impacto da mesma.
Em reportagem recente do The New York Times àcerca da reacção dos eleitores ao relatório, um deles resumiu telegráficamente o pensamento de muitos: “A causa da derrota da Hillary não foi a RT America. Foi a Hillary”.